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REDEX - BOLETIM 582 - Anexo 5
De Rosalvo Pinto
SOBRE O TEXTO DO SEBASTIÃO MOREIRA:
“MINHAS MEMÓRIAS DE CARPINA
Os Mestres: I – Padre José Rolim Rodrigues”
(caso o Sebastião Moreira venha a ler o texto abaixo, saiba ele que o escrevo ao som da “Missa Pontificalis Secunda”)
Prezados redexianos: ando meio sumido, no vórtice de inúmeras atividades, mas, como se diz na minha terrinha (Resende Costa): “eu tô aí, hein Naná!?”... tô aí e com saudades de todos vocês. Mas não deixo de sempre correr o olho nos boletins.
O 581 (REDEX - BOLETIM) trouxe algo que me atraiu, um divertido e elegante texto, numa área que muito me apraz, a perspectiva memorialista da vida, sobretudo da vida de quem passou anos (muitos, no meu caso) no seminário. Quem não o leu - quiçá assustado pelas 19 páginas assinaladas na barra inferior do word – que corra a fazê-lo, pois vale a pena. Eu o li de cabo-a-rabo e de rabo-a-cabo. Não sabia se apreciava mais o conteúdo ou o continente. Na verdade um está atrelado ao outro. O conteúdo foi simplesmente a representação da “minha vida” no seminário, sem tirar nem por nada, apenas a diferença de dois anos (1953 para mim e 1955 para o autor) e a distância de muitos quilômetros. Quanto ao continente, bem, aí está o atrelamento: o continente do autor (seu precioso manejo da linguagem) está associado ao seu conteúdo: foi a partir daquele conteúdo que ele alcançou o seu continente. Linguagem escorreita, burilada, precisa, impecável. Mas o adjetivo “escorreita” me faz associar o Padre Rolim (Padre José Rolim Rodrigues) à memória o Pe. Boscão... não só pelas nuances da linguagem mas, sobretudo pela mudança radical pela qual ambos passaram. Voltarei a esse assunto mais abaixo.
Tive o prazer de conhecer pessoalmente o Sebastião Moreira. O Mayrink (esposa e filhas), o Zé Áureo Vilhena e eu (Beth) tivemos o prazer e a alegria de participar do encontro dos nossos irmãos da Associação Fraterna Salesiana (AFS), em Jaboatão, em 2007. Lá estava o Sebastião, vindo de São Luiz do Maranhão, onde reside. Além da intensa participação no evento, ele foi o orador do almoço de encerramento e despedida em Carpina. A memória musical da vida salesiana nos fez aproximar um do outro. Nas filas para café e refeições, ele se postava atrás de mim repetindo trechos inteiros da “Missa Pontificalis Secunda” de Lorenzo Perosi - com sua bela voz de barítono - e outras preciosas lembranças. Ele me prometeu, então, uma cópia da gravação em CD da peça, que me lembro ter sido executada em São João del-Rei, ensaiada pelo então clérigo Roberto Iannini, para a festa do Diretor de 1953 e regida pelo Pe. João Bosco Nunes de Oliveira, o Boscão. Retornamos para o encontro em 2009, Mayrink (Teresinha), Zé Áureo e eu (Beth), agora acompanhados do Tiagão (Maria Helena). Lá estava firme o Sebastião. Ao fim do encontro, uma surpresa: ao me entregar a cópia prometida, ele me passou um pacote de mais 11 CDs, contendo cópias da obra completa do famoso compositor sacro, a qual inclui outras missas, uma missa de Réquiem, cantos, cantatas, oratório etc. De passagem por Roma, ele havia adquirido esses CDs e havia feito uma cópia de todos para outro colega que não compareceu ao encontro. Quem lucrou fui eu.
Além dos CDs, no encontro da AFS de 2009 o Sebastião me brindou com um outro presente: um texto memorialístico de sua passagem pelo aspirantado e noviciado, sob o título de “Minhas memórias de Carpina – Os pórticos do colégio”. Tal como o texto divulgado pela REDEX, também este prima pela prodigiosa memória do escritor, pela beleza de sua expressão escrita e pela sutileza e perspicácia de sua narração e de seus comentários. São 21 páginas de pura fruição para quem tenha tido a sorte de passar pelos aspirantados e noviciados salesianos das décadas de 40 a 60. Parece-me que este texto faça parte de um projeto maior, conforme insinua o Luiz Moura em sua mensagem no Boletim 581. Quem sabe o autor não o liberaria para nossa leitura?
Não resisto à tentação de aqui explicitar a suposta semelhança entre os perfis do Pe. Rolim e o do Pe. Boscão. Ambos eram “conselheirões” no mesmo período, um em Recife/Carpina e outro em São João del-Rei. Começo por dizer que nos idos de 1953 a 1955, quando tive o Pe. João Bosco Nunes de Oliveira como conselheiro e professor, ninguém jamais ousaria pensar em “Boscão”, muito menos em dirigir-se a ele com esse apelido. Nem poderíamos jamais imaginar que anos depois o poderíamos fazê-lo com total liberdade. Acho mesmo que naquela época não se cogitava neste apelido, pois tenho uma suspeita de que ele adveio anos depois, quando o nosso outro João Bosco, o de Castro Teixeira, ordenou-se sacerdote (1965). No âmbito da Inspetoria passou-se a diferenciá-los pelo uso do “Boscão” aplicado ao “Nunes de Oliveira”. Sobrenome do qual ele se orgulhava, dizendo que era rebento pertencente ao clã dos Nunes de Oliveira oriundo de portugueses que se estabeleceram na sua paulista Embaú, onde ele veio à luz em 1924. Tragicamente, para nossa tristeza, veio a falecer em acidente automobilístico em Brasília, em 1993.
Como conselheiro foi durão como o Pe. Rolim. Um terror. As noites das quintas-feiras das terríveis “leituras de nota”, nas quais se consumavam e se configuravam toda a sua braveza, era esperadas por uns, com expectativas e por outros, com verdadeiro horror. Lembro-me por ora de apenas um fato. Quando, de repente, se abria a porta de frente do enorme salão de estudos, todos se punham imediatamente de pé, no mais profundo silêncio e respeito. Ele subiu resoluto os dois degraus de aceso à cátedra do assistente dos menores, propor-sitadamente colocada em alto estrado. Todos se assentaram. Daquele alto ele dominava as três divisões, menores, médios e maiores as quais, àquela época, poderiam conter talvez uns 250 aspirantes. De pé, abriu o temido fichário negro de folhas presas por anéis e deu início ao “juízo final”, sofrimento que se estendia durante todo o ano. A cada nome, levantava-se o réu. Quando ele pronunciou o nome do Murilo Batista do Sacramento, da divisão dos menores, tido e havido com um dos mais “relaxados” da divisão, o silêncio e a expectativa tornaram-se ainda mais tenebrosos. Ao terminar a leitura de uma folha inteira de faltas, veio o veredicto final de “10 com três mal-merecidos”, ao qual se seguiu, despistadamente, um sorrizinho de deboche por parte do condenado. Nunca ninguém ousara tanto. A resposta veio fulminante: arrancando a folha, amassando-a em forma de bolinha e atirando-a na cara do indigitado, que estava logo ali na sua frente, na primeira carteira, soltou a frase que era usada apenas em casos extremos como esse: “e vai rir na cara da sua mãe, saia do salão e vá me esperar no escritório”.
Em 1956, salvo engano, ele deixou a função de conselheiro dos aspirantes e foi levado a uma função mais importante: subiu para o terceiro andar e tornou-se “catequista” dos clérigos, estudantes de filosofia. E nós, aspirantes, perdemos de certa forma o contacto com ele. Quando minha turma voltou do noviciado, em fins de 1958, ele ainda estava por lá (salvo engano, foi substituído no cargo pelo então Pe. Tiago Adão Lara, no ano seguinte). Não o reconhecíamos mais. Nada que lembrasse o temível conselheiro. Ao contrário e sem exagero, virou uma mãe, em tudo e por tudo. Como professor de língua e literatura portuguesa na FDB (Faculdade Dom Bosco) e maestro de gregoriano. Era nosso comentarista político naqueles tempos de efervescência da política nacional e andava nos recreios rodeado de clérigos ouvindo as notícias e seus comentários. Só não gostávamos muito de suas boa-noites e seus sermões, os quais, segundo o nosso colega sempre crítico e humorista Silvério (Vaz de Melo da Fonseca), se caracterizavam por ter um tempo certo de decolagem, um longo voo de cruzeiro, mas um difícil e demorado processo de pouso, com inúmeras arremetidas inesperadas.
Anos depois o tivemos como coordenador do grupo de teólogos que fomos estudar em Córdoba, na Argentina. Com um detalhe, que sempre o caracterizou: nomeado em janeiro de 1969 para a nova função, levou “apenas” seis meses para fazer o percurso Belo Horizonte/Córdoba, fazendo uma longa peregrinação pelas obras salesianas existentes no eixo norte-sul de sua viagem. Nosso inesquecível e saudoso diretor do Teologado de Villada daquela época, o Pe. Pascual Somma, desde fins de janeiro vinha sempre perguntando a nós brasileiros: “que pasa con el Padre Oliveira? Cuando llega?” O máximo que podíamos responder era dizer: “Padre Somma, no lo sabemos, pero sabemos que viene, no más”. Chegou o meio do ano e, com ele, finalmente chegou o nosso Boscão. Com sua bondade de sempre e conquistando a simpatia de toda a comunidade de Villada, onde fez um belo trabalho, tanto com os teólogos quanto com a juventude de Córdoba.
Agradeço ao amigo Sebastião Moreira Duarte a oportunidade de ler o seu texto, o que me motivou, depois de longo e tenebroso inverno – lembrando novamente o Boscão, que batalhava ano inteiro para deglutir o Lusíadas, com longa parada no caso da “Inês morta” - a voltar a escrever para o nosso Boletim).
De Odilon Pereira - Brasília DF
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