sábado, 4 de maio de 2013

Conviver com a seca


Por Francisco Frassales Cartaxo
O leitor pode estranhar que eu venha falar de seca quando as chuvas voltam a cair.  Fiz de propósito. Desde menino, ouço falar que a seca se combate no inverno. Combater Como se fosse uma guerra. Por um triz a expressão “combate” ou “luta” não figurou no nome do primeiro órgão federal criado, em 1909, com a finalidade específica de atacar seus efeitos: Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas – IFOCS. Antes disso, dom Pedro II já fizera sua demagogia imperial, enganando os nordestinos ao proclamar que venderia o último brilhante de sua coroa, mas não deixaria um cearense morrer de fome. Conversa fiada. Aliás, conversa fiada, frases de efeito, fotos demagógicas nunca faltaram no Brasil.

No passado, o uso político da seca era escancarado. Abriam-se “frentes de emergência” para dar trabalho de qualquer jeito. Assim começada a sacanagem. Incluíam na folha de pagamento, além dos “cassacos”, amigos, parentes e aderentes dos políticos. Um horror! Em 1958, ano de seca e eleição, muitos jovens estudantes engajados em campanha eleitoral transformaram-se em “cassacos” de meia e sapato para, sem dar um dia de serviço, serem pagos pelo governo do grande presidente JK, do velho PSD. Naquela época, os “cassacos” faziam-se na enxada, na picareta, na pá, no carro de mão nas frentes de serviço, sob o sol e poeira. Salvavam-se no trabalho duro e morriam no “barracão”, que fornecia mercadoria de primeira necessidade a preços escorchantes, mancomunados com os chefes políticos governistas.
Na Paraíba, José Américo de Almeida, candidato ao senado em 1958, foi derrotado por Rui Carneiro, correligionário de Juscelino no PSD. Logo quem! Zé Américo que, em outras secas (1932, 1952) fora aclamado como o “salvador” do Nordeste na condição de ministro da Viação e Obras Públicas, responsável pelas grandes frentes de emergência que deram ao Nordeste parte do sua infraestrutura viária, dos açudes e outras obras ajustadas à ideia, então prevalecente, de combater os efeitos da seca através da acumulação d’água.  

As cenas traumáticas do passado mudaram de feição. As levas de retirantes, magros, desnutridos, a morrer de fome e sede na beira das estradas cederam lugar às carcaças de animais. Sumiram também as frentes de trabalho, destinadas a dar de comer aos famintos, reforçar a infraestrutura econômica e permitir a sobrevivência das famílias rurais a fim de manter em operação o sistema produtivo algodão/pecuária/subsistência. Aquele sistema acabou. Nem moradores rurais existem mais, migraram para a ponta de rua. O programa bolsa-família e outros mecanismos de transferências sociais de renda substituíram as frentes ocasionais de emergência. Agora, o socorro virou rotina.

As ações devem ser permanentes e não apenas na ocorrência da seca. E mais, importa ao homem conviver com a natureza na vasta região semiárida nordestina. Conviver com a natureza, respeitando-a, e tirando proveito do saber popular acumulado ao longo de muitos anos de vivência no trato com o meio ambiente, com as plantas, os rios e córregos, com os bichos do mato, com o regime de chuvas, aplicando tecnologias ajustadas às suas potencialidades. Corrigindo os erros do passado. Com o indispensável adjutório, é claro, do conhecimento científico adquirido nos órgãos técnicos oficiais e das inúmeras entidades postas a serviço das comunidades rurais, que disseminam o saber e instigam a consciência das pessoas. Este é um caminho longo, penoso, paciente. Não dá voto fácil. Por isso, políticos oportunistas preferem poses demagógicas em fotos tiradas junto às carcaças de animais mortos na calçada de agência bancária.   

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