por Saulo Péricles Brocos Pires Ferreira
Dr.
Waldemar Pires Ferreira nasceu em Cajazeiras, na Rua Padre Rolim, em 9 de
fevereiro de 1911. Era o primogênito do casal Galdino Pires Ferreira (Major
Galdino) e Crisantina Pires Sobreira Cartaxo Rolim (D. Cartuxinha). Seus avós
paternos eram por parte de pai, Lindolfo Pires Ferreira (Major Lindolfo) e
Leopoldina Bandeira Pires Ferreira (Mãe Maroca), o primeiro natural de
Umari-PB, e a outra pernambucana da Ilha de Itamaracá que residiam em Sousa.
Seus avós maternos eram Hygino Gonçalves Sobreira Rolim (Major Hygino) e Ana
Cartaxo Rolim (Mãe Nenzinha) ambos cajazeirenses. Eram seus irmãos: Hygino
Pires Ferreira (Dr. Gineto), Graciette Pires Maia (D. Ciete), Diva Pires
Cordeiro, Maria Antonieta Pires (Tizinha) e Dr. Lindolfo Pires Ferreira (Dr.
Lineto), com exceção do último, todos já falecidos.
Aprendeu
suas primeira letras com seu pai, após o trabalho, em que me dizia que a boa
aprendizagem começa em casa. Posteriormente estudou na escola do Prof. Crispim
Coelho e outros educandários em Cajazeiras, que entre outras professoras
existiu, segundo me contou, uma de nome D. Alcides, que ele muito apreciava e
sabedor de que seria solteira, segundo me contou, chegou a pedi-la em casamento
com menos de dez anos, ocasião em que foi severamente repreendido conforme os
severos costumes da época. Seus contemporâneos nesse período que lembro mais
foram, além de seu irmão Gineto, Dr. João Guimarães Jurema (futuro procurador
da República) Antonio Guimarães Moreira, Prof. de Direito da UFPB, Mons.
Vicente Freitas e Antonio da Costa Assis (Tota Assis). Depois estudou em
diversas escolas de centros mais adiantados, concluindo Humanidades (o atual
segundo grau) no Lyceu Paraibano, onde, dentre outros, foi colega do futuro
governador Ernani Satyro.
Prestou
vestibular e foi aprovado na Faculdade de Medicina da então recém formada
Universidade do Brasil, em que os cursos superiores do Rio de Janeiro foram
cingidos em tal nome. Sua faculdade, ainda existente, situa-se na Praia Vermelha,
então o mais prestigiado centro de medicina do País. No cursar dessa academia,
assistiu ao desenrolar da Revolução de 1930 em seu principal cenário.
Formou-se
em 1934, sendo, com 23 anos, o mais jovem da turma. Depois dedicou-se a
preparação e defesa de sua tese de doutorado, que versou sobre tuberculose,
naturalmente na fase pré-antibiótico. (Ele afirmava que antes do antibiótico,
os médicos eram mais expectadores que curadores dos pacientes; este tinha
trazido mais dignidade à profissão de médico). Sua tese de doutoramento foi
elogiada e publicada pelo Governo do Estado da Paraíba.
Entre
seus professores destaca-se o eminente Dr. Miguel Couto que dá nome a um dos
maiores hospitais do Rio de janeiro. Entre seus numenrosos colegas
contemporâneos cito Dr. Rinaldo De Lamare (Pediatra), Jorge Marssilac (que
depois seria fundador do Hospital do Câncer), Pedro Bloch (futuro dramaturgo),
Arthur da Távola (futuro Senador) e Noel Rosa (compositor, que abandonou o
curso).
Embora
reconhecido e solicitado para prestar seus serviços na Capital Federal (que
todos os anos visitava), decidiu voltar para seu Estado, por ter a convicção
que sua terra precisava mais de seus serviços que a Capital Federal. Tendo a
noção que Cajazeiras já se destacava na medicina daqueles tempos, optou por vir
a prestar seus serviços na terra de seu pai, Sousa, aonde residia sua avó
materna. Desse tempo, tem-se a notícia que cunhou o nome de "Cidade
Sorriso" para Sousa, como chamam-na até hoje, por decliná-lo em um
discurso proferido num 7 de setembro, enquanto lá residia. Como existia o
transporte ferroviário daquela época, utilizava-o para prestar seus serviços e
participar da vida social na região. Tem-se notícia que dançava bem,
especialmente o tango. Tanto que mais tarde, recém-casado, visitou Buenos
Aires, sua única viagem além fronteiras.
Récem-casado |
Falecida
sua avó em Sousa, seus pais o chamaram para vir desempenhar suas funções em
Cajazeiras, e lhe ofereceram o consultório medico que usaria até o fim de sua
carreira, à Praça João Pessoa nº 40, onde ele trouxe o primeiro laboratório de
análise (naqueles tempos o médico deveria ser multifunção) e pouco depois o
primeiro aparelho de Raios X da região, de 50.000 amperes. Dois avanços
enormes, se considerados à época. Nesse tempo, começou a trabalhar onde seria
sua primeira casa: o Hospital Regional de Cajazeiras, recém fundado. Também
naquela casa, viria a conhecer, visitando um doente, uma parenta sua que viria
a ser sua futura esposa, Iracles Rolim Brocos, com que viria após se casar, ser
conhecida na cidade como Ica Pires, que dispensa apresentações.
No
HRC, Dr. Waldemar viria a desempenhar todas as funções destinadas a um médico:
diretor, vice-diretor e, principalmente, médico plantonista, cirurgião e
clínico, juntamente com outros ícones da nossa Medicina, que fizeram de
Cajazeiras, o centro de referência e excelência em toda a região, inclusive
Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e todo o oeste da Paraíba, em que
pacientes eram para cá encaminhados - diferentemente do que se sucede hoje, as
ambulâncias vinham. Estava entre ilustres colegas, como Otacílio Jurema, José
Jurema, João Isidro, Celso Matos, Deodato Cartaxo, Sabino Rolim Guimarães,
Julio Bandeira e Epitácio Leite, alcançando a próxima geração de médicos, que
cito Iemirton Braga, Francisco Guimarães e Deusdedt Leitão, tendo a certeza de
cometer omissões imperdoáveis. Esses, e os que não me recordo, fizeram a
diferença e colocaram Cajazeiras num patamar invejável no sertão da Paraíba e
circunvizinhanças, somente seria superado pelo Cariri Cearense depois de
décadas.
Depois
de casado, foi residir por alguns anos na casa de seu falecido sogro, próximo a
antiga Estação Ferroviária e perto do HRC, que o tornava, abstêmio e sem outros
vícios, sempre à disposição daquela casa de saúde. Na casa nasceram seus dois
filhos com Ica, Jeanne em 1954, e eu em 1956: Saulo Péricles (Pepé - apelido
herdado de meu tio Péricles falecido em 1952, grande amigo do Dr. Waldemar).
Posteriormente a família se mudou para a praça Galdino Pires, vizinho a seus
pais, onde resiram, quase todo tempo, até o falecimento de Ica, em 1979. Foi
sócio fundador do Rotary Club de Cajazeiras, e presidiu o Cajazeiras Tênis
Clube na década de 1950.
Já na
década de 1960, ou no final da anterior, foi admitido como medico no SAMDU, posteriormente
mudado de nome para INPS, que mantinha nesta cidade um posto de saúde
funcionando 24 horas para serviços ambulatoriais e de emergência, onde foi
plantonista até se aposentar compulsoriamente aos 70 anos em 1981, continuando
no HRC até o começo da década de 90 em que logo depois desenvolveu a Doença de
Alzheimer, que acomete muitos nossos familiares, e que haveria de matá-lo em 20
de outubro de 1996.
Após
o falecimento de Ica, casou-se com Ilma Rodrigues, com quem teve um filho:
Waldemar Pires Rodrigues Júnior, Hoje com 30 anos.
Tem
como netos Mariana Pires Borsoi, nascida em 1981, arquiteta; Gabriel Pires
Borsoi, em 1982, arquiteto, filhos de sua filha Jeanne com o também arquiteto
Marco Antônio Borsoi, ambos nascidos em Recife e arquitetos; Lívia Pereira
Brocos Pires nascida em 1982, dentista, Waldemar Pires Ferreira Neto, nascido
em 1983, Mestre em Ciências da Computação, e Marina Pereira Brocos Pires,
nascida em 1988, estudante de Farmácia, filhos de Saulo Péricles com a pedadoga
Delmira Pereira Brocos Pires, todos cajazeirenses.
Resumidamente
esta seria a vida de Dr. Waldemar Pires, mas existem muitos fatos, em que por
se tratar de um elogio a sua vida e obra, não posso deixar de expor.
Primeiro
uma rara qualidade, que por muito tempo foi tomada como defeito, o de não saber
cobrar por seu trabalho: agora que se pode ter uma visão menos imediata, ele
tinha compromisso apenas com a cura dos seus pacientes, sendo o pagamento uma
mera e conseqüência sem tanto valor como o que se dá hoje. Decerto, às vezes,
quando o paciente não dispunha de recursos, ele chegava a dar o dinheiro para o
medicamento, sem nunca ter cobrado algo em troca, como por exemplo apoio
político, como o fizeram vários de seus colegas, infelizmente prática
estabelecida, de uma forma mais ou menos velada, até hoje.
Outra
faceta me meu pai era seu proverbial esquecimento: mas, característica familiar
decorria de algo me dito por um primo meu da nossa família Pires: somente
esqueço o que não é importante. Apesar de não saber onde estaria seu carro,
seus óculos (tinha vários reservas) não se conhece ele ter esquecido uma pinça,
tesoura ou outro objeto em um paciente seu, muito menos ter errado sua
medicação. No final de sua carreira, ante as novas marcas e medicamentos
disponíveis, ele elaborou um “resumo da medicina” onde havia a doença e o
medicamento correspondente, pois quando ele se formou, era o tempo de fórmulas
manipuladas, em que ele era expert, e não as marcas comerciais.
Isso,
sem contar seu excepcional saber cultural em vários campos e níveis, que eu,
por herança, tento acompanhar sem ao menos sonhar em dispor desta cultura, em
que entre outros, recitava "Os Sertões" de Euclides da Cunha de cor
em longos trechos, além de vastíssimo conhecimento em várias outras áreas: foi
professor no Diocesano de Física, área bastante distinta da Medicina. E quando
da fundação da UFPB, foi convidado a ser professor, que recusou para não deixar
sua terra e seus pacientes. Que foi candidato a vereador contra sua vontade
pessoal, não fez campanha, e eleito com uma votação consagradora para a época,
não assumiu, pois não era seu território. Bastante diferente de alguns
políticos, em que é o poder pelo poder.
Em
resumo, termino esta elogio com a frase lapidar de seu amigo e compadre João
Claudino Fernandes: "Um homem que só nasce de 100 em 100 anos".
Estamos esperando o próximo, e por enquanto fica esta singela homenagem desse
filho que lhe deve mais do que tudo.
Obrigado,
meu pai!
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