terça-feira, 3 de maio de 2011

Amnésia histórica (Diário do Sertão)

As reações foram as mais diversas e com variados tons de paixão. Para dar lugar a uma rotatória de trânsito se destruiu um monumento histórico da cidade. Em diferentes entonações os protestos pintaram com as cores da omissão, do descaso, da negligência e do desrespeito o comportamento da administração municipal que, a cada picaretada, agredia a memória da cidade.
Uma memória que sofre agressões cotidianas. Velhos casarões desapareceram sob o peso do progresso e da modernidade. Verdadeiros sítios históricos localizados na Rua Padre Rolim, na Praça Nossa Senhora de Fátima, na Praça Coração de Jesus sucumbiram ante a avassaladora força de reformas e demolições. Paredes desenhadas, sacadas e varandas de ferro, portas e janelas que se debruçavam sob a rua, onde outrora donzelas suspiravam ante a passagem de pretendes reais ou imaginários, deram lugar as estruturas de concreto, vidro, painéis e grandes anúncios de propaganda que escondem o que ainda resta de tradição.
A memória da cidade também desaparece nas traças e esquecimentos das peças do outrora museu da cidade. Relíquias e lembranças do Padre Rolim, de Mãe Aninha e de outras famílias fundadoras da cidade sumiram na destruidora força do tempo e da ausência de uma política pública que conserve a memória como forma de projeção do passado sobre o presente e o futuro. Projeção necessária como possibilidade de construção histórica da identidade e do sentimento de pertencimento a um lugar e a fatos, homens e mulheres nele contextualizados.
A cidade despreza e se esquiva covardemente diante da preservação de seus heróis e de seus feitos. Uma preservação que surge não como necessidade de reedição de suas bravatas, mas como imperativa força capaz de forjar a argamassa que une e dá concretude ao presente. Em velhos casarões, em memórias, em amareladas fotos, em monumentos e bustos, em falas e reminiscências surgem um rico e vasto material para a pesquisa histórica, traçando trajetórias e alinhando possibilidades de como viviam, quais costumes, quais hábitos, que vestuário, quais posições sociais homens e mulheres desempenhavam e ocupavam na trama social.
A destruição do monumento com a singela ressalva da necessidade de disciplinamento do trânsito na cidade revela atrofia administrativa. Urgente se faz pensar que o presente não pode atropelar a memória e o passado sob pena de cobranças futuras. Conciliar esses aspectos manifesta maturidade administrativa e interesse com a memória e a história da cidade. Caminhos que se fazem necessários como possibilidades de também ser reverenciado, a posteriore, como memória.

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