Em Cachoeira dos Índios, fatos envolvendo uma estátua do Padre Cícero fizeram com que romarias aumentassem
Os romeiros, em sua maioria, são pessoas simples, que têm origem na zona rural ou nas cidades de pequeno e médio porte. Um dos referenciais das raízes destes devotos é o Município de Cachoeira dos Índios, localizado no sertão da Paraíba. Afinal, foi no Colégio Padre Rolim, de Cajazeiras, que um jovem seminarista chamado Cícero Romão Batista, natural do Crato, iniciou os estudos sacerdotais. Na época, Cachoeira dos Índios, que tinha o nome de Catingueira, pertencia a Cajazeiras.
A devoção ao Padre Cícero foi fortalecida, há quatro anos, com um episódio místico, e a notícia se espalhou por todo o sertão nordestino. O então prefeito da pequena cidade de 10 mil habitantes, José de Souza Bandeira, mandou retirar a estátua do Padre Cícero da praça principal da cidade, na época em reforma. A imagem foi guardada, cuidadosamente, na biblioteca municipal.
Um dia, a aposentada Francisca das Chagas, residente na periferia da cidade, procurou o prefeito para fazer-lhe uma grave advertência. A aposentada disse que, durante um sonho, o Padre Cícero apareceu e avisou-lhe que, se a estátua não voltasse imediatamente para a praça, muita gente importante iria morrer na cidade.
Mistério
Como o prefeito não atendeu o pedido, a maldição se confirmou. Na semana seguinte, o vice-prefeito Francisco Leite Rolim morreu, vítima de um acidente de carro com mais duas pessoas. Dias depois, o próprio prefeito também morreu, nas mesmas circunstâncias. A sequência de tragédias só terminou quando a imagem voltou para a praça.
Esta história ainda hoje corre de boca em boca na cidade, ganhou as manchetes dos principais jornais da Paraíba e várias equipes de televisão deram cobertura ao estranho fato. A principal protagonista deste acontecimento, Francisca das Chagas, ainda hoje está traumatizada. Procurada pela reportagem, ela se recusou a falar. Uma vizinha informou que ela ainda hoje toma medicamentos controlados por conta da tragédia.
A suposta maldição acabou por fortalecer a devoção ao Padre Cícero na cidade. Aumentaram as romarias para Juazeiro. O mototaxista Raimundo José da Silva, conhecido por Valdemar, vai três vezes por ano à Juazeiro, com a família. Para atender à demanda de romeiros, o aposentado Casemiro Pereira da Silva transformou-se em agenciador de veículos para transportar os devotos.
A mesma atividade foi assumida pelo comerciante Egídio Alencar, residente ao lado da praça, onde foi instalada a polêmica estátua do Padre Cícero. Egídio diz que vai todo mês à Juazeiro. "Os romeiros fazem questão de visitar o Horto, que é um local lindo", elogia.
O caminho é longo. A fé, no entanto, é maior ainda. Não importa se o transporte é num ônibus confortável ou num caminhão com bancos de madeira, o conhecido pau-de-arara. Espremidos, sem conforto, estes peregrinos viajam quase mil quilômetros para chegar ao seu destino de bênçãos.
NOVA POSTURA
Igreja adota o acolhimento
Juazeiro do Norte. As romarias, que antes eram uma manifestação espontânea dos romeiros, hoje recebem o apoio da Igreja. A Diocese de Campina Grande (PB), por exemplo, está celebrando a chamada "Missa do Envio", que tem como objetivo orientar os devotos. O bispo dom Jaime Vieira Rocha, que é presidente do Regional Nordeste-2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), diz que a recomendação é que estas romarias não se revistam somente de um caráter de um povo sofrido, abandonado, que só tem Deus por ele, mas também de um sentido de evangelização e organização. A missa, segundo dom Jaime, consiste em orientar os romeiros na conquista da cidadania como povo de Deus.
Em Alagoas, a Pastoral é feita diretamente com o romeiro. O arcebispo de Maceió, dom Antônio Fernandes Muniz, explica que a ação é feita em sintonia com a Diocese do Crato, trabalhando com o tema da romaria. Este ano, por exemplo, é a questão ambiental. Para o arcebispo, a romaria é uma manifestação da fé do povo.
Mesmo a romaria sendo uma das principais manifestações do turismo religioso, há bispos que avaliam a questão de outra forma. O bispo da Diocese de Palmares (PE), dom Genival Saraiva de França, considera que o romeiro é movido pela fé no Padre Cícero. Ele vem a Juazeiro como romeiro e não como turista. É uma devoção herdada de sua comunidade e da própria família. O bispo citou o caso de um devoto de sua Diocese que há 50 anos vai a Juazeiro. Dom Genival lembra que a iniciativa é do próprio romeiro. Daí a necessidade de uma pastoral voltada para este povo que tem Padre Cícero como seu padroeiro.
Reconciliação
"Ao aprofundarmos o conhecimento da história e obra do Padre Cícero, a Diocese de Crato está tomando consciência de que, em sua missão pastoral, há de se reconciliar com o testemunho de vida do homem e sacerdote Cícero Romão Batista que, como Jesus e seus discípulos foi, é e será sempre sinal de contradição". O texto é da segunda Carta Pastoral de dom Fernando Panico, bispo do Crato.
Num ato de contrição, dom Fernando acrescentou: "Temos que ser humildes em reconhecer que as lições e iniciativas daqueles que nos precederam, seja como bispos ou presbíteros, não nos devem impedir de vislumbrar o horizonte e assumir as possíveis falhas humanas nas ações de uma Instituição que, em alguns momentos, se ateve de uma maneira ferrenha a uma tradição eclesiástica mais do que eclesial".
O passo ousado para a reconciliação, como Igreja, com os romeiros e com o Padre Cícero, segundo do dom Fernando, deve ser compreendido como parte do mesmo processo de reconciliação iniciado por João XXIII através do Concílio Vaticano II, ao abrir as janelas da Igreja Católica para entrar o vento do Espírito Santo.
Dom Fernando lembra que, mais do que nunca, é necessário reconhecer as romarias como uma profunda experiência de Deus e legítimo ato de fé. E a Diocese deve assumir um compromisso pastoral, expressão do acolhimento do Bom Pastor e da ternura maternal da Igreja para com os romeiros e romeiras. Os devotos fazem a sua peregrinação sem luxo nem ostentação e seu chapéu de palha é o sinal comum de sua resistência e despojamento, a exemplo do Padre Cícero.
Ressignificação
A postura da Igreja Católica em acolher e reconhecer a manifestação das romarias é relativamente recente. A origem das romarias a Juazeiro se baseia principalmente na suposta transformação da hóstia em sangue na boca da beata Maria de Araújo, que não foi reconhecido como milagre. Foi preciso que Padre Cícero justificasse o movimento em torno da devoção à Mãe das Dores, pois havia o temor, por parte da Diocese, de que Juazeiro se tornasse mais um reduto de fanatismo no Nordeste.
trabalho e pesquiso sobre este tema. gostaria de saber se tem mais algo escrito sobre isto...obg
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