De repente, numa rua da cidade um flagrante do passado teima em manter-se vivo. Uma singela barraca de quebra-queixo remota há um tempo em que as ruas eram povoadas por inúmeros vendedores ambulantes que, com inúmeras estratégias, tentavam convencer os consumidores sobre as qualidades e propriedades de suas mercadorias. Assim, espalhava-se por becos, ruas e avenidas, vendedores de cavaco chinês, alfenim, cuscuz, pão, quebra-queixo. Todos se movimentando no ritmo tranqüilo da cidade pequena que apreciava, com espontaneidade, os sabores, odores e prazeres da vida.
A pequena barraca do vendedor de quebra-queixo destoa das modernidades que a vida contemporânea imprime como sequência da existência. As barracas que, atualmente, se espalham por calçadas e vielas da cidade, vendem bugigangas e parafernálias tantas vindas de terras distantes do Oriente e que fazem o deleite dos consumidores médios que se fartam de relógios e de tantas novidades outras que estimulam a curiosidade e se esvaem na curta duração da efemeridade.
São produtos seriados, repetindo o ritmo de padronização da vida moderna. Os espaços da criatividade e da inventividade são sufocados. O artesão capaz de imprimir sua marca ao produto ou ao repertório de divulgação desaparece na poeira de um tempo em que moderno é ser antenado com as demandas da tecnologia da informática e da comunicação. Em que torpedos e mensagens cifradas de textos ganham espaço e dimensão negligenciando a afetividade e a sinceridade de um bilhete escrito a mão, com as marcas, imprecisões e imperfeições de seu autor. Não um endereço eletrônico, mas uma pessoa de carne e osso que, em muitos e inesperados momentos, deseja a afetuosidade de um abraço, a sinceridade de votos de saúde, paz e bem, escritos com a tinta da emoção e da verdade. Não mensagens pré-elaboradas que variam apenas de emissores e destinatários, mas com conteúdos semelhantes e impessoais.
A barraca de quebra-queixo traz um ar de extemporaneidade a cidade que se anuncia moderna, com suas ruas tumultuadas de trânsito, com suas fachadas históricas desfiguradas por letreiros e amplos painéis divulgadores de comércios e negócios, com sua gente apressada e negligente em perceber o singelo que se esconde e se revela em pequenos episódios.
A barraca de quebra-queixo faz ecoar a saudade dos velhos carrinhos de chapeados que, nas madrugadas de sábado, desciam a ladeira de paralelepípedo do Cemitério Coração de Maria produzindo uma estranha e barulhenta sinfonia. Carrinhos que transportavam mercadorias para abastecer as barracas da feira livre que se espalhava pelas ruas centrais da cidade com seus cachimbos de açúcar, suas bonecas de pano, seus currulepes de couro cru, suas botinas ringideiras.
Saudades de um tempo esgotado na inexorável cadência da história? Não é isso! Apenas a constatação de retalhos que ainda atrelam ontem e hoje, como a confirmar a instigante relação entre as lembranças e o cotidiano. Amanhã, novas gerações farão das lembranças de hoje tema para divagações. E o tempo se move entre o som estridente do despertar do relógio chinês colorido e consumido aos montes e o sabor do quebra-queixo de coco e de castanha que se espraia no tabuleiro da barraca.
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