Gostava de ouvir essas palavras cantadas sem nenhuma afinação:“Olha a vela manivela, quem não compra faz novela”. O que me chamava à atenção era a rima improvisada e cheia de criatividade das crianças que vendiam caixas de velas no dia de finados na porta dos cemitérios. Lembro que dois de novembro, apesar de ser uma data triste para os mais velhos, para nós, crianças, era um dia festivo. Era como ir a um parque de diversões, só que sem brinquedos. Um dia esperado o ano todo.
A ansiedade já tomava conta logo ao amanhecer na expectativa em saber se eu ia ou não para o cemitério no dia de finados. Muitos dos meus primos estariam lá também, e se isso acontecesse, a farra estava garantida. A tristeza era algo distante, alcançava só os mais adultos. Nós, os moleques, na inocência que nos cabia e na ausência da dor da perda, parecíamos inatingíveis. Tudo era diversão.
Logo na entrada dava de cara com as rimas deselegantes para tal ocasião. Crianças se espalhavam por todo o cemitério, gritando quase desesperadas e anunciando preços das caixas de velas, que eram disputadíssimas, por sinal. E ali, naquela caixinha sem tanto significado, estava o quê da nossa felicidade. Sem aquelas caixinhas que serviam para iluminar as orações e reverenciar os mortos, não seria possível a nossa diversão.
Acender uma vela sequer já nos deixava satisfeito. O sonho realizado, mas ainda não saciado. Difícil mesmo, era aplacar essa vontade de um ano inteiro de espera. Como não podia acender muitas caixinhas de velas, ficava vigiando cada uma delas derreter. Observava as várias formas das chamas e à medida que a noite caia, o cemitério se tornava iluminado. O chão parecia um céu estrelado. E ali na inocência dos meus poucos anos, do meu jeito de criança, acendia uma vela repetindo o gesto de um adulto qualquer e fazia a minha prece, uma prece cheia de alegria.
Zacarias Rolim, jornalista, escritor e aprendiz, aquariano, nascido no sertão paraibano e apaixonado por Clarice.
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