sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Paixão e poesia

Por Francisco Frassales Cartaxo
    Há um século, as escaramuças religiosas e políticas entre Crato e Juazeiro assumiram dimensão estadual com repercussão nacional. Não é exagero. Em nome do padre Cícero, o deputado federal Floro Bartolomeu (foto), em conluio com o senador gaúcho Pinheiro Machado, chefão do Partido Republicano Conservador, rebelou-se contra o governo do Ceará. Coronéis, capangas, fanáticos e cangaceiros, comandados por Floro e abençoados pelo padre Cícero, apearam do poder o governador Franco Rabelo. Padre Cícero estava proibido de administrar alguns sacramentos, porque a Igreja considerou como falso o “milagre” da transformação da hóstia em sangue na boca da beata Maria de Araujo. Ele agarrou-se à “benção” que dava, diariamente, aos romeiros, da janela de sua casa.
Essa “benção” tornou-se então importante evento religioso. Religioso e político. Político? Exato. Ora, quando o conflito armado contra os rabelistas tomou corpo, padre Cícero passou a dar duas “bênçãos” por dia, tal a quantidade de gente em busca de proteção. E quem se envolvia na “guerra”, diretamente, ouvia estímulo especial. E isso não era pouca coisa. Romeiros viravam guerreiros. Guerreiros de Deus. Guerreiros do Padim Ciço, mais confiantes no manuseio da espingarda e do punhal, naquela “guerra santa”. Não que o padre do Juazeiro instigasse abertamente com palavras. Ao contrário, ele até ameaçava “quem roubasse, bebesse cachaça e desonrasse”. Tolice. Guerra é guerra...
Mas afinal, que tem isso a ver com paixão e poesia?
Tudo. José Joaquim de Brito, conhecido em Várzea Alegre como Zuza da Inácia, exercera, em governo adversário do padre Cícero, o cargo de delegado de polícia. Por isso, fez-se inimigo. Perseguido como muitos outros caririenses, Zuza da Inácia vendeu sua terras e outros bens, fazendeiro e comerciante que era, e veio de mala e cuia abrigar-se em São João do Rio do Peixe. Mais tarde, a família mudou-se para Cajazeiras a fim de facilitar os estudos dos sete filhos, rapazes e moças. Entre estas, uma jovem adolescente despertou o sentimento amoroso de um senhor circunspecto, bigode espesso, vasta cabeleira, farmacêutico formado no Rio de Janeiro, poeta e viúvo. Viúvo, ainda marcado pela morte precoce da jovem e bela esposa, sua prima.
Nessas circunstâncias, não lhe foi difícil encantar-se com a beleza daquela cearense de 16 anos que, diariamente, passava na calçada da sua farmácia. Na ida ao colégio e na volta. O poeta derramava em versos a paixão a enraizar-se no seu coração, povoando assim a viuvez solitária. Às escondidas, fez chegar às mãos da bem amada rimas transbordantes de amor. Um soneto por dia, durante muitos dias. Daria um livro.
Um dia decidiu. O viúvo, de 34 anos, decidiu. Amigo comum às duas famílias recebeu a missão de pedir a mão da menina em casamento. Teve sucesso, embora gerando certa frustração, pois os pais preferiam que a escolhida fosse a mais velha, então com 20 anos... Não. Não era Inácia. O viúvo queria Isabel. Aliás, só Isabel, a quem dedicara apaixonados versos. E assim, em 12 de setembro de 1921, casam Cristiano e Isabel. Ela no dia que completou 17 anos! Ele com o dobro da idade, exatos 34 anos.
Quase 20 anos depois eu nasci. Minha mãe nunca foi a Juazeiro agradecer a padre Cícero... E, coberta de razão, ela detestava Floro Bartolomeu.

PS – Aos leitores e leitoras desejo um 2014 de muita luz. Até na hora do voto.


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