Por Francisco Frassales Cartaxo
Há um século, as escaramuças religiosas
e políticas entre Crato e Juazeiro assumiram dimensão estadual com repercussão
nacional. Não é exagero. Em nome do padre Cícero, o deputado federal Floro
Bartolomeu (foto), em conluio com o senador gaúcho Pinheiro Machado, chefão do Partido
Republicano Conservador, rebelou-se contra o governo do Ceará. Coronéis, capangas,
fanáticos e cangaceiros, comandados por Floro e abençoados pelo padre Cícero, apearam
do poder o governador Franco Rabelo. Padre Cícero estava proibido de
administrar alguns sacramentos, porque a Igreja considerou como falso o “milagre”
da transformação da hóstia em sangue na boca da beata Maria de Araujo. Ele agarrou-se
à “benção” que dava, diariamente, aos romeiros, da janela de sua casa.
Essa “benção” tornou-se então importante
evento religioso. Religioso e político. Político? Exato. Ora, quando o conflito
armado contra os rabelistas tomou corpo, padre Cícero passou a dar duas “bênçãos”
por dia, tal a quantidade de gente em busca de proteção. E quem se envolvia na
“guerra”, diretamente, ouvia estímulo especial. E isso não era pouca coisa. Romeiros
viravam guerreiros. Guerreiros de Deus. Guerreiros do Padim Ciço, mais confiantes
no manuseio da espingarda e do punhal, naquela “guerra santa”. Não que o padre
do Juazeiro instigasse abertamente com palavras. Ao contrário, ele até ameaçava
“quem roubasse, bebesse cachaça e desonrasse”. Tolice. Guerra é guerra...
Mas afinal, que tem isso a ver com paixão
e poesia?
Tudo. José Joaquim de Brito, conhecido
em Várzea Alegre como Zuza da Inácia, exercera, em governo adversário do padre
Cícero, o cargo de delegado de polícia. Por isso, fez-se inimigo. Perseguido
como muitos outros caririenses, Zuza da Inácia vendeu sua terras e outros bens,
fazendeiro e comerciante que era, e veio de mala e cuia abrigar-se em São João
do Rio do Peixe. Mais tarde, a família mudou-se para Cajazeiras a fim de facilitar
os estudos dos sete filhos, rapazes e moças. Entre estas, uma jovem adolescente
despertou o sentimento amoroso de um senhor circunspecto, bigode espesso, vasta
cabeleira, farmacêutico formado no Rio de Janeiro, poeta e viúvo. Viúvo, ainda
marcado pela morte precoce da jovem e bela esposa, sua prima.
Nessas circunstâncias, não lhe foi
difícil encantar-se com a beleza daquela cearense de 16 anos que, diariamente,
passava na calçada da sua farmácia. Na ida ao colégio e na volta. O poeta derramava
em versos a paixão a enraizar-se no seu coração, povoando assim a viuvez solitária.
Às escondidas, fez chegar às mãos da bem amada rimas transbordantes de amor. Um
soneto por dia, durante muitos dias. Daria um livro.
Um dia decidiu. O viúvo, de 34 anos, decidiu.
Amigo comum às duas famílias recebeu a missão de pedir a mão da menina em
casamento. Teve sucesso, embora gerando certa frustração, pois os pais
preferiam que a escolhida fosse a mais velha, então com 20 anos... Não. Não era
Inácia. O viúvo queria Isabel. Aliás, só Isabel, a quem dedicara apaixonados versos.
E assim, em 12 de setembro de 1921, casam Cristiano e Isabel. Ela no dia que
completou 17 anos! Ele com o dobro da idade, exatos 34 anos.
Quase 20 anos depois eu nasci. Minha
mãe nunca foi a Juazeiro agradecer a padre Cícero... E, coberta de razão, ela detestava
Floro Bartolomeu.
PS – Aos leitores e leitoras desejo um 2014
de muita luz. Até na hora do voto.
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