terça-feira, 1 de maio de 2012

Chega de censura! Deixem a Pâmela falar

Nonato Guedes, jornalista
É incrível como até colegas de imprensa, que adoram falar sobre tudo e sobre todas as coisas, estejam a brandir o tacape contra a jornalista Pâmela Bório, esposa do governador Ricardo Coutinho, pelo fato de que ela utiliza as redes sociais para expressar opiniões, até sobre a gestão do marido. Abomino a censura às livres manifestações por convicção e prática. Sou remanescente de uma fase de resistência à ditadura militar, às vezes recorrendo a metáforas em emissoras de rádio de Cajazeiras ou em jornal mimeografado, como a “Tribuna Popular”.
Nonato Guedes com o amigo Valiomar
Ou atuando na Comissão de Justiça e Paz da diocese, “aprontando” no Colégio estadual (confere, Gutemberg Cardoso?), participando, no Seminário de Olinda e Recife, de um encontro a portas fechadas com delegações de jovens de todo o país, o qual foi encerrado por Dom Helder Câmara. Sem falar nos filmes que conseguia junto à embaixada da União Soviética para exibir a plateias seletas no Cineclube Wladimir Carvalho, do qual fui o primeiro presidente na terra do Padre Rolim, indicado pelo inesquecível Valiomar. Havia, também, os Festivais de Poesia, inscrevendo letras contestatórias, ainda que não explícitas para incultos agentes da repressão. Na rádio Alto Piranhas, então pertencente à diocese, divulguei a notícia da prisão e tortura de Edval Nunes da Silva, o “Cajá”, captada em transmissão da BBC de Londres. Foi a única estação no Brasil a divulgar o triste episódio, e a punição veio a galope, com a retirada do “cristal”.
Renuncio num sonho de um governo
ditatorial que nunca se realizou
Pessoalmente conservo minha posição crítica em relação a governos, a quaisquer governos, mesmo que delas tenha participado, como consta do meu currículo. Se a discordância faz mal ao trabalho desenvolvido, resta a opção de pular fora, pedir o boné. Jânio Quadros dizia, aliás, que num país onde ninguém renuncia a nada, ele renunciou ao mais alto cargo, a presidência da República. Ainda há resquícios de certas mentalidades empoeiradas no obscurantismo, no breu das tocas, mas eles estão se indo com a marcha inexorável da História. Esta, ninguém detém. A visão crítica não tolda minha formação democrata quimicamente pura. Sou democrata na plenitude do termo.


Nunca neguei espaço para defesa de quem se sentiu criticado em colunas sem que tivesse exposto a sua versão. Abri páginas no jornal “A União”, como superintendente, para o artigo de um jornalismo famoso, que eu contratara, e questionara abertamente a linha de abertura (não digo de independência) que busquei imprimir. O autor do comentário foi quem passou mal e pediu o boné. Apenas assisti à cena. Relembramos este fato esta semana, eu e Fernando Moura, superintendente atual de “A União” e participante da geração que, sob meu comando, produziu edições antológicas de puro jornalismo e um livro sobre 0s 30 anos do golpe de 64 que repousa, entre outras instituições, numa renomada Universidade dos Estados Unidos.
É currículo suficiente para me dar ao direito de pedir que evitem patrulhar a primeira dama Pâmela Bório pelo que ela diz, ou expressa. É uma visão machista dos que se dizem liberais mas preferem ver a mulher na cozinha, enquanto ele debulha teses aparentemente avançadas. Convivi com primeiras damas desde 1978, quando desembarquei em João Pessoa, cada uma com seu estilo. Não sei de nenhuma que tenha criado vexames. Lúcia Braga entrou para a política porque estava no sangue e, obviamente, pela convivência com Wilson. Glauce Burity nunca deixou de emitir uma opinião, ainda que ela contrariasse auxiliares do ex-governador Tarcísio ou eventuais aliados políticos. Sílvia Cunha Lima sempre foi discreta por opção própria. Glória Cunha Lima, idem. A desembargadora Fátima Bezerra é educada o bastante para separar sua atividade profissional da convivência com o ex-governador Maranhão. No caso de Glauce, ela externava opiniões em círculos restritos. Depois que ganhou voo por mérito indiscutível, sentiu-se liberada para polemizar. Lauremília, mulher do senador e ex-governador Cícero Lucena, foi vice-governadora na gestão Cássio I e ativista política na periferia da capital. As mulheres enfrentaram séculos de opressão e subordinação até que cansaram e decidiram ir para o “front”. Isto é positivo, não fosse o fato de que elas já mandam, mesmo, em casa, como dizemos nós, os maridos.
Pâmela Bório tem um temperamento forte e, certamente, faz suas escolhas. Fazer escolhas significa contrariar interesses. Ela é poderosa, mas antes disso é bem articulada. Fala porque prefere não ficar omissa, remoendo mágoas, em temas polêmicos. Faz muito bem. Não é necessário concordar com ela, ou com o governo do marido. Mas é fundamental respeitá-la. Não é ventríloqua do governador, que em certas ocasiões deve discordar das opiniões que ela emite. Ser patrulhada é que ela não deve ser. Poucos perceberam, mas a democracia, hoje, está disponível para todos e todas. Como é que vítimas da censura se arvoram o múnus de cercear sua liberdade de expressão? Se há igualdade no acesso à comunicação, porquê silenciar? Tem sentido exigir que uma pessoa pública fique algemada em torres de marfim quando a Cidadania lhe assegura a faculdade de “parlar”? Acho que Pâmela Bório oferece uma saudável contribuição ao exercício do contraditório. 
Que bom que todas as primeiras-damas fizessem o mesmo. Da parte dos jornalistas, é o que afirmei certa vez: adoramos ser estilingues; vidraça, nunca. Queremos ter o privilégio de derrubar castelos do poder, mas nos incomodamos quando outras pessoas entram no clube das discussões sem precisar pedir licença. Não há mais muro de Berlim nem arquipélago Gulag. Há janelas que se abrem para o contraste, tornando a paisagem mais rica porque multifacetada. Deixem Pâmela falar...



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