terça-feira, 2 de novembro de 2010

DIA DE FINADOS em Cajazeiras



Frequentador assíduo da Praça do Espinho, que fica em frente ao Cemitério Coração de Maria, o nosso olhar curioso de meninos do CAPES – Clube dos Asilados da Praça do Espinho - registrava tudo que ocorria por aquele lugar que nos era familiar.
Quando passava um enterro, e nós estávamos jogando bola na calçada da casa de Sinval do Vale, parávamos a pelada. Primeiro pelo barulho que causávamos, e tínhamos que respeitar o sentimento alheio, e, segundo, pelos palavrões e xingamentos pronunciados  entre nós por disputa de jogadas violentas. Não pegava bem às carpideiras e aos homens pesarosos conduzindo o caixão de defunto ouvir, rezando ave-marias e pai-nossos, uma fala exaltada nossa de: “num tá vendo que foi falta, seu fie de rapariga! Joga a bola pra cá, seu viado!” e a resposta concomitante de “vá se fuder, seu fela-da-puta, parece uma mocinha, se a gente dá uma encostada já tá se arriando!”.  Mas algumas vezes o enterro já estava tão próximo da gente que os acompanhantes tinham que ouvir esse vocabulário de deixar o defunto de cabelo em pé.
No dia dois de novembro o movimento de gente em frente ao cemitério, e, por extensão, à Praça do Espinho, era tanto que até parecia ser uma festa, uma confraternização de alegrias e não o “dia de finados”. Pelo menos para nós garotos, da década de sessenta/setenta. Íamos ao cemitério como se estivéssemos indo pra Praça João Pessoa, farrear. Andávamos e pulávamos por entre e por cima das catacumbas, desviando de coroas e jarros de flores, de fogo de velas e fugindo de “shiiiss” de dedos indicadores colocados no centro dos lábios de pessoas pedindo que fizéssemos silêncio.
Chamava-me muito a atenção aqueles túmulos, que mais pareciam capelas de igrejas, de tão grandes, para ser um túmulo, com entalhos em tamanho natural de Cristo, em posições clássicas da escultura de um Michelangelo. Tinha túmulos suntuosos em contraste com outros que estavam desprezados, outros que eram bastante simples, com apenas um retângulo de tijolos em meio-fio. E havia também as sepulturas num quadrado grande de alvenaria cheio de gavetas para caixões dos associados do Círculo Operário. Na suntuosidade e na simplicidade dessas sepulturas ficava evidente, mesmo para nós, crianças, as diferenças de classes sociais e econômicas da cidade.
Muitos guris aproveitavam a ocasião para vender velas e fósforos em frente ao cemitério ou circulando pelos túmulos. Meus irmãos Valdim e Mininim também aproveitavam para entrar nessa onda, pois só assim defendiam o dinheiro dos ingressos dos filmes pornográficos do Cine Éden e da vitamina de abacate e bolo-de-leite, sem igual, na Merendinha de ‘seu’ Dirceu Galvão.
Exclusivamente nesse dia de finados, as Rádios Alto Piranhas e Difusora Cajazeiras passavam o dia inteiro tocando marchas fúnebres. Sem intervalo comercial. Quem era viciado em rádio era uma tortura passar o dia sem ouvir música.
O respeito pelos mortos era total. Quando morria um parente as mulheres usavam preto fechado e véu na cabeça quando ia pra rua. Os homens, incluindo crianças já grandinhas, usavam uma fita preta, pregada com alfinete, no bolso da camisa, no peito esquerdo.
Quando morria alguém o corpo ficava na própria casa do falecido. Gente que os familiares nem conheciam estavam lá presentes. Era um acontecimento. Difícil alguém da cidade não tomar conhecimento de um falecimento.
Quando vim morar em Brasília e fui pela primeira vez ao Cemitério, Campo da Boa Esperança, tive uma grande decepção. Onde é que estavam os túmulos suntuosos dos ricões de Brasília? Onde é que estavam aquelas esculturas de santos em tamanho natural nos túmulos? Os túmulos eram todos do mesmo tamanho e da mesma altura. Era (são) um retângulo de quase 2 metros de comprimento por um e pouco de largura e altura de uns trinta centímetros mais ou menos. Era uma padronização. Fiquei encasquetado. Aos poucos fui tomando conhecimento de que, para um dos idealizadores de Brasília, o arquiteto Oscar Niemeyer, um comunista das antigas, comungava que, até na morte, todos devem ter o princípio da igualdade. Portanto, ricos e pobres, feios e bonitos... Todos são iguais perante a Deus. Então, não havia essa de túmulos suntuosos para uns e para outros, não. 
Por Eduardo Pereira do blog AC2B
E-mail: dudaleu1@gmail.com.

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