Luiz Carlos (à esquerda) e José Fernandes, as margens dor Rio do Curtidor |
Numa dessas passagens pela casa do Nato, ele me falou sobre como curtiam
couros antigamente, com casca de angico, nuns tanques escavados na pedra no
lugar conhecido por eles por Rio do Curtidor ou Rio dos Tanques (que na verdade
é o Rio do Peixe) perto da casa dele e eu me mostrei interessado em conhecer o
local. E assim numa tarde quando eu retornava de Antenor Navarro, para Sousa
ele me levou ao local por um caminho que estava marcado pessoas e o gado passar
por ele, indo para o rio.
Fomos a pé e já próximo do rio percebi um rastro grande com três dedos
impresso na rocha. Perguntei a Nato de que era aquele rastro, mas ele me disse
que nunca tinha visto antes embora passasse com freqüência naquele caminho.
Imaginei que fosse um rastro de galinha gigante, do passado, que havia ficado
impresso naquela rocha. Seguimos adiante e fui conhecer ali perto o curtidor
que nada mais era do que dois buracos escavados na rocha há muito tempo atrás.
No Rio do Peixe onde está o Rio do Curtidor ou Rio dos Tanques como é
conhecido, após o inverno se formavam poços ao longo do rio e para cada um
destes poços, os sertanejos colocaram nomes desde os tempos passados. Assim,
neste local é conhecido como “Poço da Vaca” onde o gado e outros animais bebem
água e o sertanejo do lugar se abastece para consumo humano e usos domésticos.
No passado o sertanejo vivia praticamente isolado e para atender suas
necessidades básicas buscavam solucioná-las se utilizando os meios que estavam
ao seu alcance com ensinamentos que passavam de geração a geração. Eles
precisavam da sola, por exemplo, para diversas aplicações no cotidiano, mas era
um produto caro e não era encontrado facilmente na Antenor Navarro do passado,
senão nas cidades de Sousa e Cajazeiras quando as viagens aconteciam a cavalo.
Do couro curtido, ou seja, da sola, fabricavam artesanalmente objetos de
uso pessoal como chinelos de rabicho, bolsas, arreios de selas para animais de
montaria, alforjes, caçuás para transportar produtos diversos desde os
produzidos nas roças como milho, feijão e arroz, ou ainda pelos tropeiros (ou
comboieiros) que conduziam rapadura e farinha do Cariri Cearense para Mossoró e
de lá traziam o sal em pedras ou tecidos para vender pelos sertões do Rio
Grande do Norte, Paraíba e Ceará.
Outro objeto fabricado de sola era o surrão, utilizado para armazenar
feijão na garapa. Fazia a garapa fina no engenho de rapadura, melava o feijão
todo e a seguir colocava dentro de um surrão que era costurado com linha de
sola. Assim o feijão era conservado durante vários meses antes de ser consumido.
Havia outros métodos para a conservação do feijão, mas aqui nos referimos
exclusivamente ao surrão de sola.
Antigamente para curtir couros de gado, bodes e ovelhas, o sertanejo
primeiro esticava o couro com varas e cipós e colocava ao sol para secar, antes
retirando todos os restos de carne e gorduras. Depois de seco, colocava nos
tanques escavados na rocha juntando-se água misturada com a casca do angico.
Ali ficavam até que os pelos se soltassem do couro quando estava pronta
finalmente a sola. Esse processo acontecia após o inverno para evitar assim que
a água da chuva não se misturasse com a água dos tanques contendo a casca do
angico.
A descoberta do rastro da “galinha gigante” me inquietou, pois nunca
antes eu havia estado frente a frente com tão inusitado achado. Por
coincidência nesse tempo estava em Sousa o paleontólogo Giuseppe Leonardi que
havia chegado ao sertão procurar e estudar rastros de dinossauros. Tão logo
cheguei de Antenor Navarro, à noite fui procurar Leonardi, no hotel, para
conhecê-lo e lhe dizer do meu achado para ouvir sua opinião. Nesse tempo eu já
me interessava pelas pinturas rupestres encontradas na Serra Branca, que também
tratei ao paleontólogo sobre aqueles registros, mas dele ouvi: “essas ocorrências são recentes comparadas
com os rastros dos dinossauros de milhões de anos passados, cabendo a outros
especialistas estudarem essas pinturas rupestres”.
Ficou combinado então naquele encontro que no sábado seguinte eu levaria
Giuseppe Leonardi ao Rio do Curtidor ou Rio dos Tanques como é conhecido pelos
moradores do sitio Juazeirinho.
Quando chegamos ao local apresentei a Giuseppe Leonardi o rastro da
“galinha gigante” quando eu vim, a saber, que se tratava de um rastro de
dinossauro do grupo dos terópode, do qual fazem parte os carnívoros. Naquela
oportunidade o paleontólogo descobriu outros rastros no Rio do Curtidor vindo a
catalogá-los como ANJU 1, 2... Essa sigla correspondia de Antenor Navarro (AN)
e Juazeirinho (JU). No mesmo dia quando nos encontrávamos lá com ele fazendo
desenhos e anotações das novas pegadas descobertas, chegaram algumas pessoas
que nos disseram que costumavam retirar pedras daquele local para a construção
de alicerces de casas. Preocupado com o risco em potencial daqueles bonitos
rastros viessem a ser destruídos, na tarde daquele dia ele falou com o então
prefeito Dr. José Dantas Pinheiro solicitando sua autorização para transportar
aquelas rochas contendo pegadas para a cidade de Sousa onde ficariam protegidas
para não serem destruídas, tendo o então prefeito concordado com a proposição
do paleontólogo que dias após com o uso de um caminhão muque fez o transporte
das pegadas para o jardim de prefeitura de Sousa onde ficaram expostas por mais
de vinte anos até serem levadas para o museu do Monumento Natural Vale dos
Dinossauros em 1996. E lá se encontram ao lado esquerdo do acesso de quem
adentra ao museu.
Antes da instalação do museu o Governo do Estado da Paraíba contratou os
serviços do fotografo profissional Machado Bittencourt, para fotografar sítios
com pegadas de dinossauros e pinturas e incisões rupestres no sertão da
Paraíba. No sitio Juazeirinho onde esteve o fotografo na minha companhia, no
dito Rio do Curtidor fotografou o Nato dentro de um dos buracos escavados na
rocha para curtir couros (e Machado sabia disso), mas quando a fotografia foi
exposta num painel no museu, constava que daquele buraco havia sido extraída
uma pegada. Informação errada, sem dúvida, que mesmo esclarecida por mim as
pessoas encarregadas pela instalação do museu não fizeram as devidas correções.
E assim, ficou perdurando a idéia de que dali havia sido extraída uma pegada de
dinossauro, quando na realidade isso nunca havia acontecido, pois as pedras que
Leonardi havia trazido para Sousa estavam soltas e em outro local próximo dali.
Anos depois um cidadão de São João do Rio do Peixe publicou na Coluna
Milenium do Correio da Paraíba a foto de um dos buracos do curtidor informando
que eu havia levado uma pegada daquele local. Haja força e falta de raciocínio,
e, claro de inteligência acima de tudo para perceber que era impossível que eu
conseguisse carregar uma pedra pesando mais de uma tonelada. Escrevi ao jornal
comunicando a realidade dos fatos que publicou na mesma coluna a correção
daquela matéria que tinha unicamente a intenção de prejudicar meu conceito.
Poderia muito bem entrar com uma ação contra o dito cujo, mas optei pelo
esclarecimento da verdade no mesmo jornal.
Luiz Carlos (à esquerda) explicando a José Fernandes sobre a região do Curtidor |
Nenhum comentário:
Postar um comentário