sábado, 8 de junho de 2013

E há um curtidor no caminho que ninguém conhece!

por Luiz Carlos da Silva Gomes.*
Luiz Carlos (à esquerda) e José Fernandes, as margens dor Rio do Curtidor
    Era o ano de 1975 quando eu viajava na “estrada por dentro” entre Sousa e Antenor Navarro e a casa do Nato, no sitio Juazeirinho, era parada obrigatória tanto na ida quanto na volta. Nessa época não se ouvia falar em assaltos e quando eu voltava de Antenor Navarro era por volta das 16:00 horas porque a temperatura já estava amena.
Numa dessas passagens pela casa do Nato, ele me falou sobre como curtiam couros antigamente, com casca de angico, nuns tanques escavados na pedra no lugar conhecido por eles por Rio do Curtidor ou Rio dos Tanques (que na verdade é o Rio do Peixe) perto da casa dele e eu me mostrei interessado em conhecer o local. E assim numa tarde quando eu retornava de Antenor Navarro, para Sousa ele me levou ao local por um caminho que estava marcado pessoas e o gado passar por ele, indo para o rio.
Fomos a pé e já próximo do rio percebi um rastro grande com três dedos impresso na rocha. Perguntei a Nato de que era aquele rastro, mas ele me disse que nunca tinha visto antes embora passasse com freqüência naquele caminho. Imaginei que fosse um rastro de galinha gigante, do passado, que havia ficado impresso naquela rocha. Seguimos adiante e fui conhecer ali perto o curtidor que nada mais era do que dois buracos escavados na rocha há muito tempo atrás.
No Rio do Peixe onde está o Rio do Curtidor ou Rio dos Tanques como é conhecido, após o inverno se formavam poços ao longo do rio e para cada um destes poços, os sertanejos colocaram nomes desde os tempos passados. Assim, neste local é conhecido como “Poço da Vaca” onde o gado e outros animais bebem água e o sertanejo do lugar se abastece para consumo humano e usos domésticos.
No passado o sertanejo vivia praticamente isolado e para atender suas necessidades básicas buscavam solucioná-las se utilizando os meios que estavam ao seu alcance com ensinamentos que passavam de geração a geração. Eles precisavam da sola, por exemplo, para diversas aplicações no cotidiano, mas era um produto caro e não era encontrado facilmente na Antenor Navarro do passado, senão nas cidades de Sousa e Cajazeiras quando as viagens aconteciam a cavalo.
Do couro curtido, ou seja, da sola, fabricavam artesanalmente objetos de uso pessoal como chinelos de rabicho, bolsas, arreios de selas para animais de montaria, alforjes, caçuás para transportar produtos diversos desde os produzidos nas roças como milho, feijão e arroz, ou ainda pelos tropeiros (ou comboieiros) que conduziam rapadura e farinha do Cariri Cearense para Mossoró e de lá traziam o sal em pedras ou tecidos para vender pelos sertões do Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará.
Outro objeto fabricado de sola era o surrão, utilizado para armazenar feijão na garapa. Fazia a garapa fina no engenho de rapadura, melava o feijão todo e a seguir colocava dentro de um surrão que era costurado com linha de sola. Assim o feijão era conservado durante vários meses antes de ser consumido. Havia outros métodos para a conservação do feijão, mas aqui nos referimos exclusivamente ao surrão de sola.
Antigamente para curtir couros de gado, bodes e ovelhas, o sertanejo primeiro esticava o couro com varas e cipós e colocava ao sol para secar, antes retirando todos os restos de carne e gorduras. Depois de seco, colocava nos tanques escavados na rocha juntando-se água misturada com a casca do angico. Ali ficavam até que os pelos se soltassem do couro quando estava pronta finalmente a sola. Esse processo acontecia após o inverno para evitar assim que a água da chuva não se misturasse com a água dos tanques contendo a casca do angico.
A descoberta do rastro da “galinha gigante” me inquietou, pois nunca antes eu havia estado frente a frente com tão inusitado achado. Por coincidência nesse tempo estava em Sousa o paleontólogo Giuseppe Leonardi que havia chegado ao sertão procurar e estudar rastros de dinossauros. Tão logo cheguei de Antenor Navarro, à noite fui procurar Leonardi, no hotel, para conhecê-lo e lhe dizer do meu achado para ouvir sua opinião. Nesse tempo eu já me interessava pelas pinturas rupestres encontradas na Serra Branca, que também tratei ao paleontólogo sobre aqueles registros, mas dele ouvi: “essas ocorrências são recentes comparadas com os rastros dos dinossauros de milhões de anos passados, cabendo a outros especialistas estudarem essas pinturas rupestres”.
Ficou combinado então naquele encontro que no sábado seguinte eu levaria Giuseppe Leonardi ao Rio do Curtidor ou Rio dos Tanques como é conhecido pelos moradores do sitio Juazeirinho.
Quando chegamos ao local apresentei a Giuseppe Leonardi o rastro da “galinha gigante” quando eu vim, a saber, que se tratava de um rastro de dinossauro do grupo dos terópode, do qual fazem parte os carnívoros. Naquela oportunidade o paleontólogo descobriu outros rastros no Rio do Curtidor vindo a catalogá-los como ANJU 1, 2... Essa sigla correspondia de Antenor Navarro (AN) e Juazeirinho (JU). No mesmo dia quando nos encontrávamos lá com ele fazendo desenhos e anotações das novas pegadas descobertas, chegaram algumas pessoas que nos disseram que costumavam retirar pedras daquele local para a construção de alicerces de casas. Preocupado com o risco em potencial daqueles bonitos rastros viessem a ser destruídos, na tarde daquele dia ele falou com o então prefeito Dr. José Dantas Pinheiro solicitando sua autorização para transportar aquelas rochas contendo pegadas para a cidade de Sousa onde ficariam protegidas para não serem destruídas, tendo o então prefeito concordado com a proposição do paleontólogo que dias após com o uso de um caminhão muque fez o transporte das pegadas para o jardim de prefeitura de Sousa onde ficaram expostas por mais de vinte anos até serem levadas para o museu do Monumento Natural Vale dos Dinossauros em 1996. E lá se encontram ao lado esquerdo do acesso de quem adentra ao museu.
Antes da instalação do museu o Governo do Estado da Paraíba contratou os serviços do fotografo profissional Machado Bittencourt, para fotografar sítios com pegadas de dinossauros e pinturas e incisões rupestres no sertão da Paraíba. No sitio Juazeirinho onde esteve o fotografo na minha companhia, no dito Rio do Curtidor fotografou o Nato dentro de um dos buracos escavados na rocha para curtir couros (e Machado sabia disso), mas quando a fotografia foi exposta num painel no museu, constava que daquele buraco havia sido extraída uma pegada. Informação errada, sem dúvida, que mesmo esclarecida por mim as pessoas encarregadas pela instalação do museu não fizeram as devidas correções. E assim, ficou perdurando a idéia de que dali havia sido extraída uma pegada de dinossauro, quando na realidade isso nunca havia acontecido, pois as pedras que Leonardi havia trazido para Sousa estavam soltas e em outro local próximo dali.
Anos depois um cidadão de São João do Rio do Peixe publicou na Coluna Milenium do Correio da Paraíba a foto de um dos buracos do curtidor informando que eu havia levado uma pegada daquele local. Haja força e falta de raciocínio, e, claro de inteligência acima de tudo para perceber que era impossível que eu conseguisse carregar uma pedra pesando mais de uma tonelada. Escrevi ao jornal comunicando a realidade dos fatos que publicou na mesma coluna a correção daquela matéria que tinha unicamente a intenção de prejudicar meu conceito. Poderia muito bem entrar com uma ação contra o dito cujo, mas optei pelo esclarecimento da verdade no mesmo jornal.
Luiz Carlos (à esquerda) explicando a José Fernandes sobre a região do Curtidor
 Depois do a-chado do “pé da galinha gigante” no Rio do Curtidor passei a me interessar pela busca dos rastros dos dinossauros e se seguiram novas descobertas de pegadas até que num dia fui perguntado pelo Globo Repórter o que eu fazia antes de ser caçador de dinossauros. Com a perguntar assim inesperadamente eu ri, foi quando ouvi o “corta”. “Você não pode rir, mas vai responder a perguntar que te fiz, sem rir”, me disse o repórter Carlos Fachel da TV Globo que estava fazendo uma matéria sobre os “Caçadores de Dinossauros no Brasil”, de Santa Maria no Rio Grande do Sul onde uma criança achou o fóssil mais antigo de dinossauro já descoberto no Brasil, ao Amazonas onde foi descoberto o fóssil do Purossauro, uma espécie de crocodilo que tinha a capacidade de matar uma vaca com uma abocanhada. Antes, porém havia passado no Cariri Cearense para registrar o comércio de peixes fossilizados e entrevistar um agricultor que havia encontrado nas rochas junto com os peixes fossilizados, o fêmur de um dinossauro. Do Ceará vieram para Sousa, aonde eu vinha descobrindo desde o ano de 1975 dezenas de novas pegadas de dinossauros que eram noticiadas por jornais e revistas de circulação nacional e internacional.
Muito exigente nas gravações o Globo Repórter gravou uma das cenas por mais de dez vezes até a diretora aprovar. A cena era eu sentado no chão limpando uma pedra com uma vassourinha que eu conduzia nas minhas buscas pelos rastros dos dinossauros no sertão da Paraíba.


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