Por
Francisco Frassales Cartaxo
Quando os cabras chegaram à casa grande da fazenda de meu avô para
prendê-lo, foram recebidos por sua mulher que lhes informou ter seu marido
viajado. Desconfiados, os homens de Floro Bartolomeu con- feriram com os olhos o
que havia na varanda, no corredor e na sala. A- trevidos, percorreram outras
de- pendências do imóvel, até mesmo recantos íntimos, a procura do dono da casa.
Nada encontraram. Viram, porém, escanchadas numa forquilha do terraço, duas
selas de montaria e, apontando para elas, perguntaram à minha avó:
- Como é que a senhora diz que seu marido está viajando, se as duas selas
estão penduradas ali?
- Quem tem duas selas não pode ter três ou quatro?
Assim, altaneira, respondeu dona Joana Sales de Brito, minha avó, com a
segurança de quem não temia enfrentar jagunços e fanáticos do padre Cícero
Romão Batista, travestidos de policiais de fato, em perseguição aos que não
rezavam pela cartilha política do chefe Floro Bartolomeu. Essas milícias
eventuais andavam à caça de pessoas que, mesmo sem envolvimento partidário ostensivo,
como era o caso de meu avô, não demonstravam entusiasmo pelos objetivos e pelas
táticas da luta política, seguidos pelos homens mobilizados para derrubar o então
governador do Ceará, coronel Franco Rabelo.
O temido Floro Bartomeu |
Minha avó mentiu. De fato, seu marido não estava em casa, mas também não
viajara. Encontrava-se escondido num capão de mato, próximo a sua casa, graças
ao alerta de uma pessoa amiga que o avisara da aproximação dos capangas de
Floro Bartolomeu (foto), a tempo de sair às pressas para evitar os maus tratos e a
prisão, frustrando assim o intento de seus perseguidores. Joaquim Sales de
Brito, meu avô materno, era proprietário rural e negociante em terras do
Cariri, onde nasceu, e desenvolvia suas atividades de agricultor e comerciante,
afeito a longas andanças de Lavras da Mangabeira a Fortaleza, a transportar
mercadorias em lombo de burro, numa época em que os trilhos da estrada de ferro
ainda estavam distantes da região sul do Ceará. Depois da chamada Guerra do
Crato e Juazeiro, (1914) sua vida virou um inferno, tantas eram as investidas contra
ele e muitas outras famílias que não lhe restou senão migrar para a Paraíba,
por ele eleita como sua nova terra. Aliás, não foram poucas as pessoas a adotar
o mesmo caminho, como registra a história naquele começo do século 20, a
exemplo da família Gonçalves, que se instalou, provisoriamente, em Cajazeiras,
onde nasceu uma criança, que mais tarde se tornou político com atuação no
Cariri e chegou a se eleger senador da República, como representante cearense:
Wilson Gonçalves.
Essa história, a resposta atrevida de minha avó materna, foi passada de
boca a boca, gerações seguidas. Eu escutei inúmeras vezes a narrativa feita por
minha mãe, dona Isabel, como lembrança de menina, ela que tinha menos de 10
anos de idade no dia em que os cabras de Floro Bartolomeu tentaram prender meu
avô. Minha tia Inácia, por ser a filha velha de Joaquim de Brito, era a encarregada
de levar-lhe comida e água. E só ela sabia de seu esconderijo, por instintiva
medida de segurança.
Esta crônica tem o sentido de homenagear à família de minha mãe e todas
as pessoas vítimas das perseguições políticas, de mistura com senhas fanáticas
que prosperaram numa época em que se
tornava difícil separar capangas, cabras, cangaceiros, romeiros e
fanáticos.
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