terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

O Sábio do Norte





Para mim, educação é ofício quase sagrado. O ato de ensinar edifica, promove e liberta. Reveste-se de tamanha grandeza que, ensinando, o professor aprende com os próprios alunos. Sem “troca de saberes” não há aprendizagem. Infelizmente, a democratização do ensino teve como resultado acentuada queda nos índices de aprendizagem. Não estou criticando o acesso das classes populares à educação. Claro que se trata de avanço, e não, de recuo, como querem alguns, equivocadamente.

Entretanto foi a partir da democratização do ensino que o professor começou a perder status. Isso aconteceu por descuido do poder público, que aumentou o número de alunos nas escolas e não investiu o suficiente na qualificação dos docentes, nem lhes ofereceu salários dignos. Carentes de motivação, a maioria dos professores foi deixando de estudar e, hoje, padece de grande acomodação. Com o passar dos tempos, findaram sujeitando-se a salários incompatíveis com a importância da docência que exercem. Ruim para eles, pior para o Brasil.

Por outro lado, com raríssimas exceções, os governantes dos três níveis de poder continuam sem enxergar a importância de quantos dedicam suas vidas à educação. Digo isso porque, além de conhecer a baixa remuneração oferecida pelo ensino público, com frequência, leio notícias de pessoas que recebem prêmios, honrarias e medalhas, algumas delas outorgadas muito imerecidamente. Entretanto, não me recordo de ter visto algum professor ser agraciado publicamente! Querem os professores que o melhor reconhecimento seja  remuneração compatível com a atividade. Concordo, mas há outros tipos de valorização que também precisam existir para destacar o professor perante a sociedade.

Revendo a história, diferente era a atitude de D. Pedro II, em relação aos professores do Brasil. Consta que se curvava diante de qualquer mestre, fosse de crianças, de jovens ou de adultos. Mudaram os professores ou os governantes?

 No interior da Paraíba, havia um professor por quem o monarca brasileiro tinha tanta admiração, a ponto de chamá-lo O Sábio do Norte. O educador alvo desse tratamento distinto e honroso dispensado por Dom Pedro II era Inácio de Souza Rolim, ou o Padre-Mestre, como era carinhosamente chamado pelo povo nas ruas.

O Sábio do Norte nasceu em 23 de agosto de 1800, no sítio Serrote, zona rural de Cajazeiras, município localizado no alto sertão paraibano. As primeiras letras quem lhe ensinou ninguém sabe ao certo. Consta que, aos 16 anos de idade foi para o Crato estudar Latim. Seu pai chamava-se Vital Rolim. Sua mãe, Ana Francisca de Albuquerque. Para os mais íntimos, Mãe Aninha. Mulher forte, austera, caridosa, mãe da ternura, dedicada aos afazeres do lar e aos filhos, a quem transmitia fervor e idealismo.

Mãe Aninha era amiga de Bárbara de Alencar. Por isso, o adolescente Inácio teve o privilégio de ser hóspede da heroína cearense durante cinco anos, de 1816 a 1821, na Vila Real do Crato, onde estudou gramática latina. Foi nesse período que Bárbara e seus filhos, Tristão de Alencar e José Martiniano de Alencar, pai do escritor José de Alencar, envolveram-se na Insurreição Pernambucana de 1817. Por seus ideais libertários, foram presos e torturados. Livres da prisão, o entusiasmo não arrefeceu. Participaram ativamente da Confederação do Equador, em 1824.

Em 1822, Inácio Rolim ingressa no Seminário de Olinda. Ordenado, volta para sua terra natal e inicia suas atividades de educador. Humanista, civilizador, linguista e visionário, funda a Escolinha da Serraria, internato por onde passaram alunos, que brilharam como escritores, advogados, políticos e líderes religiosos destacados, a exemplo de Cícero Romão Batista, Padre Cícero, e Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, mais conhecido como Cardeal Arcoverde. Natural de Cimbres, Pernambuco, o menino Joaquim Arcoverde ilustrou-se bastante no colégio do padre Rolim. Aos 13 anos, ingressou no seminário, aos 16, seguiu para Roma, onde cursou Ciências e Letras, Filosofia e Teologia no Pontifício Colégio Pio Latino Americano.

Em 1856, a cólera morbus atacou a Paraíba, matando parcela significativa de sua população. Para evitar que o mal atingisse seus alunos, o Padre-Mestre transferiu sua escola para os sertões dos Inhamuns. Foi nessa época que, vitimado pela cólera, faleceu o pai de Irineu Joffili, um de seus alunos, que mais tarde iria notabilizar-se como advogado, historiador e geógrafo paraibano. O colégio do Padre Rolim congregava alunos dos sertões de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Piauí.

Em 1855, o governador Sigismundo Gonçalves convidou o Padre-Mestre para exercer a docência de Grego no Ginásio Pernambucano. Na época, teve sua gramática de Grego publicada por uma editora de Paris. A obra foi financiada pelo Governo de Pernambuco. Padre Rolim escrevia em diversas revistas europeias. Brilhou também como professor e reitor do Seminário de Olinda.

Como os valores da educação têm perenidade imorredoura, o Sábio do Norte nunca será esquecido. Empenhados em elevar os baixos níveis de escolarização de Pernambuco e da Paraíba, bem que os governadores Eduardo Campos e Ricardo Coutinho poderiam instituir a Medalha Paulo Freire e a Medalha Padre Rolim para, anualmente, em sessão magna, homenagearem educadores da rede pública de ensino que se destacassem por trabalho meritório nas escolas onde ensinam.



Além de salários dignos, esse gesto seria uma forma de mostrar à sociedade o quanto vale um educador.


*Advogado. Escreve aos domingos na Folha de Pernambuco.
pnunesfilho @yahoo.com.br.

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