quarta-feira, 26 de setembro de 2012

O bispo que nunca traiu os pobres



por Francisco Frassales Cartaxo


Dom José Rodrigues de Souza morreu em Goiânia (GO) no dia 9 deste mês, aos 86 anos, vítima de pneumonia contraída em hospital onde foi internado para tratamento de hidrocefalia.  Nascido em Paraíba do Sul (RJ), assumiu em 1975 a diocese baiana de Juazeiro, sua primeira e única diocese. Ali permaneceu até 2003, desenvolvendo intensa e profícua atividade pastoral ao lado do povo humilde, sobretudo dos trabalhadores rurais e de minorias urbanas discriminadas. Nem sempre foi compreendido, em particular, pelos donos do poder. Jamais abriu mão de seus princípios e convicções. Não se curvou ante os poderosos. Antônio Carlos Magalhães, mesmo quando no auge de seu prestígio político, foi capaz de amedrontá-lo.
Baixinho, simples, corajoso, ativo no trabalho como pastor da Igreja Católica, dom José Rodrigues usou muito bem instrumentos de comunicação a seu alcance para desenvolver sua missão. Criou e manteve durante muitos anos o boletim informativo “Caminhar Juntos”, falava aos diocesanos por intermédio da Emissora Rural – A Voz do São Francisco, de Petrolina (programa “Semeando a verdade”), e da Rádio Educadora de Juazeiro. Em tempo de eleição, a equipe diocesana utilizava, entre outros meios, cartilha de orientação para ensinar o povo a votar bem. Com isso, desafiava os chefes políticos do sertão do São Francisco, região marcada pelo mando dos coronéis, com firme tradição de violência na luta pelo poder local, como registra a história do século 20.
Nunca trai os pobres
Ao saber de sua morte, recordei demoradas conversas que tivemos em 1984, quando fui a Juazeiro realizar pesquisa para elaborar estudo, cujo ponto de partida era a pergunta: Por que a Igreja não transforma em votos seu imenso prestígio junto ao povo? Essa hipótese de investigação intelectual nasceu quando, ao escrever o livro “Política nos Currais”, eu pude constatar, empiricamente, a enorme falta de sintonia entre a popularidade da Igreja e os resultados eleitorais. Escolhi então a diocese de Juazeiro para começar a testar algumas hipóteses formuladas. E de fato, Helena e eu começamos a desenvolver o projeto. A entrevista com dom José ocorreu no dia 04 de abril de 1984.
Passados 28 anos, releio com emoção, o roteiro da pesquisa, as anotações daquele encontro fundamental, todas registradas num caderno amarelecido, guardado em meus arquivos de papéis velhos. Junto estão dezenas de exemplares do “Caminhar Juntos”, de folhetos e recortes de jornais que dom José me deu ou me enviou nos meses seguintes. Naquele caderno encontrei um bilhete de dom José dirigido a um seu diocesano de Sobradinho nestes termos:
“Apresento-lhe o casal Cartaxo Rolim e Helena que escolheram a Diocese de Juazeiro para campo de pesquisa sobre eleições. Já escreveram um livro sobre isso. É gente de confiança! Um abraço de D. José”.
Por desventura, o estudo não foi concluído. Dois meses depois da visita a dom José, Helena teve diagnosticado, com brutal atraso, um câncer no pâncreas que a consumiu antes do fim de 1984. O impacto da viuvez repentina alterou o curso de minha vida e o projeto do livro ficou arquivado. Agora, recordo dom José Rodrigues diante do seu voo para o céu. Deus a seu lado sabe que a frase “Nunca trai os pobres”, por ele pronunciada, ao despedir-se da diocese de Juazeiro, é a mais pura verdade. Um legado da sua vida.

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