A notícia é alardeada como um grande feito: a cidade ganhará uma locadora de mulheres. Com a mesma simplicidade com que se anuncia a abertura de um novo supermercado, de uma nova loja de eletrodomésticos, de uma nova agência lotérica, se propagandeia que mulheres estarão expostas em vitrines e serão comercializadas a partir de sua cotação no mercado. Homens ávidos por sexo e prazeres fugazes farão fila para arrematar ou leiloar aquelas que irão apetecer seus apetites.
No cardápio da locadora, mulheres ainda meninas, no desabrochar de suas existências que, como derradeira alternativa de sobrevivência, encontram a prostituição. São meninas oriundas de nossas muitas periferias. Periferias urbanas, periferias educacionais, periferias rurais. Jovens que abortaram sonhos de uma vida decente e encontraram no comércio do corpo a derradeira alternativa de vida. Meninas que ontem largaram as bonecas e hoje sonham com o mundo cor de rosa que o fascínio do consumo e da publicidade oferece como possibilidade para todos.
A locadora de mulheres, por mais convincentes que sejam os argumentos ao seu favor, tem como marca característica, a exploração do corpo humano, travestido em mercadoria. Assume a configuração de indignação na mesma proporção do trabalho escravo, da exploração da mão de obra infantil, do preconceito étnico. Mulheres que, agenciadas por cafetinas, estabelecem um preço para seu corpo.
Relações afetivas são negligenciadas. Tudo é aquilatado por uma tabela de mercado que se estabelece a partir de critérios como beleza, juventude, performance. A dignidade humana é assolada como um vendaval que sopra violentamente as folhas secas do verão. Não existe autonomia, sequer, para definir qual vai ser o preço que cada uma irá estabelecer. A palavra final cabe a quem teve a brilhante idéia de organizar o negócio. Todas estão atreladas a um contrato, nada oficial, de subserviência e dependência a uma cafetina que, em tom de inocência disfarçada, diz estar prestando um serviço social relevante.
Os argumentos de que a mulher deve ter autonomia, inclusive, para usar seu corpo como convier, não se justificam nessa situação. As mulheres que compõem o cardápio da locadora estão expostas a mais degradante das condições de humanidade. A elas é negado o direito inalienável de estabelecer, de forma autônoma e independente, uma relação afetiva que lhe seja proporcionadora de prazer, de valorização de laços afetivos, de construção de uma convivência promotora de crescimento político, afetivo, intelectual. Todas estão convertidas em mercadorias arrematadas pelos preços estabelecidos previamente. São relações fugazes que nada constroem. Apenas destroem dignidades.
Mas a cidade é farta nesses episódios. Não muito distante está a tentativa de laurear com o título de cidadania uma das mais célebres cafetinas da região. É necessário que não nos distanciemos do foco central que deve mover a existência humana: a dignidade plena que é a única possibilidade real de continuarmos humanos.
Fonte: Diário do Sertão c/ Gazeta do Alto Piranhas
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