sábado, 15 de abril de 2017

O HOMEM MAIS SABIDO DE CAJAZEIRAS

Em 1975 foi publicada a primeira edição do Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de autoria de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Foi, e continua sendo fenômeno editorial brasileiro. Só não vendeu mais que a bíblia, no Brasil.

Bem, Cajazeiras poderia ter um colaborador para esse fenômeno editorial, tendo em vista que ele era um apaixonado por palavras. Apaixonado ao ponto de ser um exibidor de vocabulário escorreito, digo: apurado. Suas palavras eram pronunciadas ao sabor da prolixidade, digo: muito longo, ou difuso.

Não, o nosso personagem amante da língua pátria não era escritor, não era jornalista, não era intelectual, no sentido lato, digo: amplo, da palavra, não freqüentava as rodas literárias de Cajazeiras, não tinha liame, digo: ligação, com a nata, digo: o que há de melhor, da intelectualidade cajazeirense contemporânea, digo: que vive na mesma época.

A vaidade e a erudição, digo: instrução vasta e variada, de nosso personagem, com certeza se renderia aos apelos e a ovação, digo: aplausos ou honras entusiásticas, de entrar para a Academia Cajazeirense de Letras, se assim houvesse.

Sua sapiência, digo: sabedoria divina, encantava e admirava a todos. A todos que se rendiam a seu estilo loquaz, digo: palavroso, verboso.

Essa figura impoluta, digo: pura, virtuosa, não tinha escritório de advocacia para verbalizar data vênia, digo: expressão respeitosa com que se principia uma argumentação, e logorréias, digo: hábito de falar com excesso.

Talvez nossa figura em destaque fosse o precursor, digo: que precede, da criação genial do dramaturgo Dias Gomes, Odorico Paraguassu. O linguajar rebuscado, digo: requintando, era sua marca registrada.

Afinal, se ele não estava numa banca de advocacia, onde ele estaria então? Estava ele num banco. Não, não era no Banco do Brasil. O seu banco, era o banco onde ele estava sentado vendendo tudo que uma budega sortida tinha para atender sua clientela. Sentado em seu banco, atendia a todos. Aos matutos, que se lhe rendiam basbaque, digo: que fica pasmo diante de tudo, e os urbanos de Cajazeiras.

Sua budega era bem provida, bem arrumada, bem limpa, de balcão bem organizado, distante dos balcões de outras budegas que serviam pinga em balcões sujos e imundos devido as goipadas dos pinguços dadas ao seu pé em louvor à dose do santo. 

Sempre com seu dicionário apostos em sua mesinha de trabalho, onde ficava a gaveta do caixa, ali lia e relia (percebi o cacófato, digo: som destoante) as páginas de seu dicionário, de onde sairiam suas palavras difíceis arremessadas aos fregueses.

Se lhe perguntassem: - “Tem palito de dente?”, ele responderia: - “Você, nobre freguês, está a procura de pequenos gravetos propícios à extração de restos alimentares pós refeições?”.  E se procurassem por rapadura, teriam como resposta: - “Meu caro freguês, você está solicitando um retângulo sólido, de doce natural, extraído da planta da família das gramíneas, processado via mecanismo laboral artesanal?”. Um rapaz queria sal de cozinha, e ele respondia: - “O jovem imberbe está a requisitar cloreto de sódio, cristalino, branco, usado na alimentação?”

Em conversas com pessoas, se lhe contestassem o sentido de uma palavra, era o mesmo que chamá-lo para a briga, não a briga braçal, mas o acinte, digo: a provocação, em desmoralizá-lo em sua verborragia, digo: grande abundância de palavras, mas com poucas idéias, no falar ou discutir.

Por todo seu esforço em querer falar difícil e bonito, conquistando a admiração principalmente dos matutos, ele é considerado o homem mais sabido de Cajazeiras. Nem que seja nas mesas de bares e esquinas onde a galhofa e o palavrório é a tônica.

Seu nome é: Zecão.

Eduardo Pereira do Blog AC2B
E-mail: dudaleu1@gmail.com


Terra de cabra macho




Texto

Terra de cabra macho

A maioria dos meus leitores sabe que sou paraibano. Nasci em Cajazeiras, no alto sertão, a quinze quilômetros do estado do Ceará, onde fui buscar a mais bela conterrânea de Iracema, para torná-la minha consorte.

Como se vê, viajei pouco para encontrar a sorte benfazeja.

O nome de minha cidade natal origina-se de árvore frutífera, de pequeno porte, abundante na região. Em 07 de fevereiro de 1767, passou a fazer parte de uma sesmaria, pequeno terreno abandonado, cedido pelos reis de Portugal para ser povoado. O governador da capitania, Jerônimo José de Melo, a presenteou a Luiz Gomes de Albuquerque, que a doou à sua filha Ana de Albuquerque, após seu casamento com o jovem Vital de Souza Rolim. Emancipada em 10 de julho de 1876, completará, em breve, 135 anos de autonomia administrativa.

Em 22 de agosto de 1800, nasceu um dos filhos de Ana de Albuquerque, registrado com o nome de Inácio de Souza Rolim, ordenado padre em Olinda, estado de Pernambuco. Em 1843, o padre Rolim, como viera a ser conhecido posteriormente, retornou à terrinha e fundou o Colégio Salesiano, que recebeu o seu nome. Ali estudaram o Padre Cícero Romão Batista, “meu padim pade ciço” e o primeiro arcebispo do estado da Paraíba, Dom Arcoverde. E eu, este modesto escrevinhador.

Cajazeiras é uma cidade pequena. Apenas 58.437 habitantes disputam o PIB de 400 milhões de reais, cabendo-lhes, individualmente, cerca de R$ 7.000,00. O Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH, é de 0,68, considerado médio, para a região.

A terra do Padre Rolim é bastante movimentada culturalmente. Dispõe de campus universitário federal, de modesto museu, de duas estações de rádio e de um jornal. O teatro, porém, é a expressão maior de sua cultura de divertimento. Os circos de variadas origens e representatividade fincam estacas e estendem lonas impermeáveis em terrenos autorizados pela prefeitura. O cajazeirense é amante da arte cênica, já tendo exportado alguns atores, um deles, uma atriz, minha parenta, integra o elenco de novelas da Rede Globo. Eu, sem querer me exibir, já escrevi uma peça dramática que representei e dirigi.

Em certa ocasião, instalou-se no bairro Alto do Cabelão, um circo de boa reputação. A tenda tinha considerável circunferência. Os artistas distinguiam-se por suas performances espetaculares. Os palhaços faziam a seleta plateia rir, às gargalhas. A programação noturna sempre culminava com a representação de uma peça, algumas românticas, outras trágicas, que normalmente faziam chorar o espectador mais emotivo.

Por ocasião da Semana Santa, resolveram encenar a Paixão de Cristo.
O elenco compunha-se dos mesmos artistas que dividam trapézio e picadeiro, além de alguns moradores da cidade, especialmente convidados. Um rapaz de boa aparência fora indicado para fazer o papel de Jesus. O sujeito era “boa pinta”, usava barba bem cuidada e tinha os cabelos longos e cacheados. Mais ou menos umas trinta pessoas representariam o Cristo, Maria mãe de Jesus, Maria Madalena, Pôncio Pilatos, discípulos do Mestre, alguns fariseus e três ou quatros soldados romanos.

Durante os ensaios, a esposa do dono do circo apaixonou-se por “Jesus”, o intérprete. E ele, que não dava moleza, aproveitou a deixa. Às vésperas da encenação da peça, o proprietário do circo soube do repentino romance. Ficou furioso, mas controlou-se. Aguardaria melhor oportunidade. Um escândalo naquelas alturas prejudicaria o investimento. Depois de pensar bastante, encontrou a solução: iria participar da peça, fazendo o papel de um soldado romano.

No dia do espetáculo, a cidade inteira lotou as dependências do circo. A representação do sofrimento de Jesus tornava a plateia chorosa. As mulheres e alguns homens derramavam seus prantos silentemente. Jesus, o ator, sofria no corpo as fortíssimas chibatas desferidas pelo soldado romano que empunhava o chicote com a destreza que a vingança lhe proporcionava.

“Jesus” reclamou em voz baixa:

– Oxente, cabra, tá machucando!

Para dar mais veracidade à cena, o soldado batia sem dó nem piedade. O lombo do infeliz ator já sangrava, quando, sem mais aguentar, sacou de uma peixeira de doze polegadas e partiu para o seu algoz, dizendo:

– Vou te ensinar como se defende na Paraíba!

O dono do circo corria desesperadamente, protegendo-se atrás de um e de outro ator, que a tudo assistiam sem nada entender. A plateia, antes chorosa e compadecida, presenciando o sofrimento de Jesus, o intérprete, gritava delirantemente:

– É isso aí, Jesus, fura ele!

Outros diziam:

– Aqui é a Paraíba, “bichim”. Não é Jerusalém, não!

E o espetáculo terminou antes da crucificação.
Lamércio Maciel
Publicado no Recanto das Letras em 26/05/2011
Código do texto: T2994009



Lamércio Maciel
Brasília/DF - Brasil, 70 anos

Quem sou eu

Nasci no estado da Paraíba, em 1941. Fui cronista de uma emissora de rádio em minha cidade natal, Cajazeiras, na década de setenta, época em que me aventurei no teatro amador. Na oportunidade, escrevi uma peça que representei e dirigi. Por temer represálias do regime militar, abandonei a lide literária depois de ter meus escritos questionados pela ditadura dos generais. A partir de 2002, já aposentado, fiz as pazes com o “verbo” e voltei a escrever. Como bacharel em ciências contábeis, exerci as atividades de contador e auditor, tendo publicado duas obras: Contabilidade, Aspectos Jurídicos e Fiscais do Balanço e Auditoria Fiscal-Tributária. Ambas serviram de livros-texto em cursos e palestras que ministrei. Sou autor de quarenta contos, sessenta e três crônicas, três pequenos romances e três outras narrativas. Meus principais escritos receberam os seguintes títulos: Torre da Concórdia, Álbum de Recordações, Visitando o Passado, O ultimato, O único e Epopéia da Família Braga –– Um Giro pela Europa. Os contos foram reunidos em um volume, intitulado: Por que conto? Conto, porque conto; Conto por conto, Ora!. O volume contendo as crônicas foi denominado Aurora Literária.




sábado, 8 de abril de 2017

"CUMUNISTA" PARAIBANO (há quem diga que foi verdade).

Assim que a revolução triunfou, chegou à pacata cidade de Solânea, na Paraíba, um telegrama enviado pelo general vitorioso ao Cabo Muriçoca, delegado do lugar:

"Prenda todos os comunistas em nome do Exército Nacional".

Orgulhoso  por tamanha distinção,o cabo reuniu a tropa, exibiu o telegrama como um troféu, leu os seus dizeres e passou a indagar:
 
- Alguém aí sabe o que é "comunista". Silêncio na platéia. Até que apareceu um soldado sarará, do beiço rachado, um olho aberto e o outro fechado, que foi logo opinando:
 
- Seu cabo, na minha opinião, "cumunista" é o cabra que come cú.

Aí o delegado, com jeito de quem descobriu o Brasil, ordenou:  
- Se é assim, vamos invadir o cabaré de Maria Priquitim e prender todo cabra safado que estiver comendo cu.

Dito e feito. Chegaram logo metendo as botas nas portas, invadindo os quartos, flagrando os casais no bem bom. Já tinham invadido cinco quartos, quando no sexto encontraram um sujeito enrabando a quenga Joinha. O delegado não pestanejou:
 
- Teje preso seu "cumunista" safado, em nome do Exército Nacional!

O pobre homem ficou logo com a rola mole, suando por todos os buracos, enquanto balbuciava:
- Mas seu delegado, eu não fiz nada...
- Fez, seu subversivo. Você tava cumendo um cú e quem come cu é "cumunista", esbravejou Muriçoca.
 
Ao pobre "cumunista" só restou uma derradeira explicação:
- Seu delegado, juro pela minha falecida mãe, que está no céu: é a primeira vez que eu como um cuzinho. O que eu sou mesmo é bucetista...

terça-feira, 4 de abril de 2017

Diário de um Carrazerense na Suíça

5 Março - Hoje cheguei na Suíça. Um lugar paidégua nos Alpes. Muito sossegado! Tudo muito bonito e nada de zuada. Os Alpes são muito massa, a serra Gaucha, perde é fêi! Quase que não posso esperar para vê  neve. Que bom haver deixado para trás o calor, a umidade, o tráfego, a violência, a poluição, e aquele povo fêi e mal educado do Nordeste.

Isto sim é que é vida!


8 Março - A Suíça é o lugar mais bonito que já vi na minha vida. As folhas passam por todos os tons de cor entre o vermelho e o amarelo. Assim que a gente lembra que existem quatro estações. Saí para passear pelos bosques e, pela primeira vez, vi um cervo. São tão ágeis, tão elegantes, é um dos animais mais chifrudos que jamais vi. Suíça é mesmo um paraíso.

E pensar que sofri tanto calor  naquele inferno da Paraíba e  Maranhão...






9 Março - Logo começará a temporada de caça. Não acredito como a negrada daqui tem coragem de matar os bichim. O clima ainda tá bem fri-im e praticamente já passou o inverno. Tomara que neve fora de época, prá eu fazer raspadim de morango..

Tô realizando meu maior sonho!






10 Março - Ontem à noite nevou. Pense! Me levantei e encontrei tudo coberto de uma camada branca. Parece um cartão postal... Estava tão satisfeito que rolei nela e logo tive uma batalha de neve com os mininos, uns galeguinhos dos olhos azuis. Sapequei uma bola de neve no pé da urêa dum e ganhei! Muito bonita a neve! Parecem bolas de algodão espalhadas por todos os lados.







Lugar bonito! Suíça sim é que é vida.




11 Março - Ontem à noite voltou a nevar. Massa! Saí para tirar a neve dos degraus e a passar a pá na entrada como a gente vê nos filmes e, quando a niveladora de neve passou na rua, tive que voltar a passar a pá para tirar a neve...




12Março - Ontem à noite nevou muito, outra vez. Fui de novo limpar  a neve da entrada por completo porque, antes que acabasse, já havia passado a niveladora. Estou um pouco cansado de passar a pá nessa neve. Droga de niveladora!
                                                                      Mas, que vida! 






13 Março -  Aqui não para de cair esta merda de neve. Parece bosta de vaca branca. Já tô com as mãos cheias de calos por causa da pá. Acho que a niveladora me vigia da esquina e espera que eu acabe de tirar a neve com a pá, para então passar. Vai pra puta que pariu!

Se pego o fi-duma-égua que dirige essa niveladora, juro que o mato!


14 Março - Ontem à noite caiu mais essa merda branca. Já são três dias direto que não saio,  nessa porra de neve, depois que passa a bosta da niveladora. Não posso ir pra canto nIum.

O carro está enterrado debaixo de uma montanha de merda branca. Não entendo porque não usam mais sal nas ruas, para que se derreta mais rápido essa fuleraige de gelo.
O noticiário disse que esta noite vai cair mais 20 centímetros desta merda. Não acredito, não! Pense!



15 Março - O abestado do noticiário se equivocou outra vez. Não foram 20 centímetros de neve... caiu quase 1 metro desse diabo! Ninguém pôde sair para comemorar nada. Agora, resulta que a niveladora quebrou perto daqui, e o filho da puta do motorista veio me pedir uma pá emprestada. Ah, macho descarado! Disse a ele que já tinha quebrado 6 pás limpando a merda que ele me havia deixado diariamente. Quase quebrei a pá na cabeça dele.

Arre , isso aquí é uma bosta!




16 Março - Por fim, hoje consegui sair de casa para ir tomar um vinho. No caminho, fui desviar de um corno de um cervo que se meteu na frente do carro, e bati numa árvore. putaquepariu!  O conserto do carro vai me sair por uns três mil euros. Esses veados deviam ser envenenados. Era pros caçadores terem matado esses bicho tudim no ano passado.

A temporada de caça deveria durar o ano todo!
Como é lindo o Açude Grande!
17 Março - Escorreguei no gelo que ainda há neste lugar e quase quebrei uma perna. Ontem à noite sonhei estar em Carrazeiras, no Açude Grande, vendo as águas, etc, etc e etc, comendo buchada e tomando uma cerva gelada debaixo daquele sol, me refrescando na brisa e mergulhando na água morna do sangradouro, ao som de um forró bem tocado.
Quero ir embora já desta chibata!

Ah, se fosse verdade!


18 Março- Levei o carro ao mecânico. Ele disse que o conserto ia ficar o dobro, pois o assoalho estava todo enferrujado, culpa do sal que jogaram nas ruas para derreter a merda branca.
Será que esses baitingas não têm outra forma de derreter o gelo?




19 Março - Hoje volto. Graças a Deus poderei sair deste fim de mundo frio e solitário. Amanhã volto para o meu Maranhão. Muito calor, tráfego, poluição, comer panelada, buchada, sarrabûi, mas acima de tudo vou ver o sol, coqueiros, calangos correndo felizes pelos muros, terra de gente boa e hospitaleira.
Aquilo sim é que é vida!



20 Março- Putaquepariu, estou de volta!  Nem acredito!
É melhor ficar aguentando esses e-mail dos moicanos.
Daquele caba lá de Carrazeiras que mora em Fortaleza, metido a besta, de Liduína, Evandro, Rafael, Corrinha Moreira, Evaldo...




TE AMO, Maranhão, te amo Cajazeiras, te amo Brasil!